Luiz a G Cancello
Meu pai era gaúcho, da cidade do Rio Grande, na ligação do mar com a Lagoa dos Patos. Entre a água doce e a salgada, assim era seu temperamento, carinhoso e acolhedor, mas dado a rompantes.
Meu irmão e eu começamos a fazer cursos superiores que não seriam o nosso destino. Ele entrou na Faculdade de Medicina, desistiu e foi ser músico. Eu iniciei uma Faculdade de Engenharia, mas me tornei psicólogo.
Imagino que seria o sonho de um pai, nos anos 60 e 70, ter um filho médico e um engenheiro. Não foi essa a escolha do destino, ou a nossa opção, vai saber o que determina os rumos da vida.
Um dia, quando meu irmão e eu já éramos adultos e profissionais estabelecidos, passei na casa do meu pai. Lembro-me da cena. Ele estava no hall do andar de cima, começamos a conversar. A certa altura, já não me lembro em que contexto, perguntei:
— Passou pela sua cabeça que você teria um filho músico e um psicólogo?
A reação foi imediata. Com uma expressão forte, onde não pairava nenhuma dúvida quando às palavras, respondeu:
— Nem pela cabeça do caralho!
Fiquei perplexo, dei um sorriso desajeitado, beijei-o e saí de fininho. Percebi que não havia condições de prosseguir a conversa. Talvez fosse perigoso.
Pensei muito no acontecido, penso até hoje. Seria apenas a surpresa pelos caminhos que tomamos? Teria ele ficado frustrado por não ter em casa um médico e um engenheiro? Os filhos se tornaram adultos independentes e profissionais reconhecidos, disso o pai sabia e se orgulhava, mas nunca havia sonhado em músicos e psicólogos na família.
Não voltei mais ao assunto. Havia ali algo interdito.
Se existir alguma vida depois desta, se for possível reencontrar meu pai, pretendo esclarecer aquele rompante. Mas, em outro plano, imagino que não será possível partilhar a cena pelo facebook.