Apreciação de Luiz A G Cancello
Acesse aqui a ficha técnica do filme.
As sinopses deste filme falam em um homem com Alzheimer, que vai em busca do primeiro amor de sua vida. É a leitura mais óbvia. Proponho outro olhar. Sugiro encarar a história como um jogo entre a figura da neta e a figura do avô. A aproximação entre a menina e o velho adoecido é um tema sensível e delicado, o eixo mais bonito do filme, na minha visão.
O avô, Lorenzo, é um professor universitário de matemática aposentado, culto, ranzinza e solitário, figura ilustre, cuja grande façanha foi ter descoberto um número primo (o que não é pouca coisa, em sua área). Na história aparecem o símbolo do infinito (o famoso “oito deitado”), e o Pi, que é evocado como elemento único, uma estranheza na geometria, usado como metáfora em uma possível declaração amorosa. Número primo, Pi, infinito: grandezas complicadas, fontes de especulação de especialistas, de uma beleza inesperada que o filme revela.
Enquanto a ausência do mundo se acentua, o protagonista vai se inteirando do mundo conectado, por obra da neta Júlia, uma adolescente malcriada e petulante, que não larga o celular. Ele jogava Sodoku para passar o tempo, e incialmente a menina o faz interessar-se por um joguinho numérico no smartphone. Essa aproximação torna o enredo possível. A partir daí ele se deixa capturar pela neta, que vai tentar descobrir, via redes sociais, o paradeiro de seu amor de infância.
O mundo cotidiano, não virtual, é trazido à cena pela filha do professor, mãe da menina, uma representante de laboratório de medicamentos, mulher angustiada e preocupada com o bem-estar da família. Seu marido, a única figura caricata do filme, é um coach meio bobo e meio picareta. Os conflitos do casal dão o suporte concreto à história improvável.
As três narrativas se interpenetram: o avô em busca da namorada de infância, antes que o Alzheimer complete seu trabalho; a aproximação entre ele e a neta, mediada pelo celular onipresente; os conflitos de um casal comum, de classe média, tentando se manter profissional e emocionalmente em tempo difíceis. O filme faz com que os três eixos se desenrolem simultaneamente, com graça e leveza, sem descuidar dos aspectos tristes da doença. Não há momentos de grande suspense nem trechos arrastados, apenas a fluidez das imagens e dos diálogos, conduzindo o espectador de maneira suave e bonita pelo desenrolar da trama.
Como tantas histórias em que se busca algo perdido na infância, o círculo se fecha, a origem dá significado ao fim (ou vice-versa?). Qual Ouroboros, o tempo do filme se encerra num modo mítico, num encontro poético e fora da dimensão do real. Mas não é para isso que existe a poesia?