Visão

Luiz A G Cancello

As mãos estão subindo, 
é a hora da prece, 
da oferenda. 
O rosto aparece, para mim, 
atrás das mãos. E sua testa 
está ungida com um líquido, 
onde se banha 
uma serpente. 
A tiara — 
— Ah, como a vejo bem! – 
Prende os cabelos negros, 
escorridos, 
que ladeiam os olhos. 
Vejo esses olhos apesar 
e através 
das mãos; 
miram fixamente 
um ponto em minha testa. 
Se as estrelas cintilam, 
por trás dela, 
no infinito, 
é por que é noite; 
mas o luar banha as águas 
e reflete o corpo 
daquela que surge 
do nada. 
Os ombros são alvos, 
os seios firmes e claros; 
a cintura, estreita, 
se perde na curva dos quadris, 
e se completa 
em pernas perfeitas. 
De onde vem a visão? 
Ao pensar assim, 
vejo que tudo tende 
a se desvanecer. 
Ainda pergunto gritando: – 
– “Quem és?” 
Mas a serpente se faz enorme, 
ondula-se 
e cai morta num abismo  
que só agora notei existir. 
Indefesa, 
a mulher olha para mim 
e para o mundo. 
Uma lágrima cai dos olhos. 
Escorre na boca, no peito, 
transforma-se 
em leve chama, que brilha forte 
no ventre. 
O peito exala 
um profundo suspiro, 
e ela se deita na terra, 
parindo um Semi-Deus. 

16/11/73