Vida eterna

Luiz A G Cancello

Percorrendo alguns jornais na web, deparei-me com um site que oferecia a vida eterna. Não era uma página religiosa. Espantoso, não? Mas tem lógica, a meu ver, e não espero que todos os leitores concordem. Funciona assim: os donos do negócio recolhem todas as suas postagens do Facebook, junto com curtidas, comentários, preferências e tudo o mais, aquela quantidade incrível de material que você dedilhou durante anos. Aí, os – com os chamarei? Eternizadores de Vida? Semideuses? Semidemônios? Profetas ou Arautos da Distopia? – terão uma ideia do seu jeitão, digamos. A coisa é tão estranha (e fascinante?) que vacilo nos termos.
A partir desse ponto, munido de todos os dados, um algoritmo – sempre ele, o Algoritmo! – traça um perfil de sua personalidade e cria um robô que vai agir como você. Depois da sua morte, as curtidas, comentários e até postagens que você (supostamente) faria continuarão a aparecer na tela de seus amigos, cônjuge, filhos, etc.
Ao ler as propostas do site, lembrei-me de uma afirmação de Yuval Harari, o escritor de “Sapiens” e “Homo Deus”. Neste segundo livro, ele sugere que todo o nosso comportamento pode ser descrito por algoritmos. E estende perigosamente a conclusão. Se o tal algoritmo é uma soma de operações matemáticas que visa um fim, tanto faz que esteja num suporte biológico ou de silício. Ou seja, digo eu, o fato de a vida se manifestar em carne e osso é apenas um detalhe. Tudo pode se passar em outro meio.
Fiquei tentado a contratar os serviços do site. Comuniquei minha intenção para as pessoas próximas, antes de cometer um aparente desatino que iria comprometê-los, pois seriam eles a conviver (conviver?!) com essa presença virtual, ou avatar, sei lá. Ao escrever este artigo estou duvidando até da minha capacidade de expressão.
Pois bem, constatei que nenhum dos humanos que me são mais caros apreciou a ideia. Talvez as pessoas queridas não estejam prontas para o novo mundo que se anuncia. Ou não queiram conviver comigo depois que meu corpo não estiver entre eles, o que arranha a minha autoestima. Pode ser também uma simples questão de bom senso, atitude muito difícil de definir.
Para tirar todas as dúvidas técnicas, enviei um e-mail para o site. Estava escrito em inglês e hospedado em Montenegro. Responderam-me logo. O sistema ainda é incipiente, está sendo testado, por enquanto só é disponível em língua inglesa. A seu tempo será oferecido em outros idiomas. Pedi a eles que me informassem quando o processo estiver mais avançado e puder funcionar em português. Enquanto espero, vou tentando fazer com que meus entes próximos se acostumem com a possiblidade de me aturar ainda por muitos anos, interagindo comigo na tela de seus celulares e computadores.
Tenho algumas dúvidas, é claro. Essa coisa de silício me parece meio dura, meio tensa. Acho que todos os Pilates e alongamentos que fiz na vida não vão me flexibilizar. É possível que as poucas dores físicas que sinto desapareçam, imagino que minerais sejam imunes à dor, aí já temos uma vantagem. Um aspecto de tudo isso é intrigante. Será que terei, de algum jeito, a sensação de ser eu? Uma sequência de cálculos pode chegar à autoconsciência?
Infelizmente perdi o endereço do site montenegrino que promete a imortalidade. Encontrei um outro, Eter9 – Living Cyberspace, criado por Henrique Jorge, um português, que propõe coisa parecida. A conferir.
Ah, mas o caro leitor não participa das redes sociais? Que descuido! Ter um perfil no Facebook é o requisito para a vida eterna no século XXI.

Crônica publicada no jornal “A Tribuna”, de Santos, em 07/09/2018