Luiz A G Cancello
Não costumo perder objetos. Se não sei onde uma coisa está, nunca a julgo perdida; hei de achá-la. Até mesmo um guarda-chuva, como veremos.
Em novembro de 2012, minha mulher e eu fomos ao Rio de Janeiro com um casal de amigos. Meus objetivos eram ouvir música, curtir o Centro Histórico da antiga capital e visitar meu velho amigo George, companheiro de tantas lutas.
Fizemos tudo isso. Foram dias excelentes.
Estávamos num hotel central. Eu havia notado ali perto uma loja de guarda-chuvas, coisa rara, com produtos excelentes, marcas que não vejo nos camelôs, fora do eixo China-Coréia. E não é que choveu, apenas uma garoa fina, mas que boa oportunidade! Entrei na Loja Vesúvio, no número 35 da Rua da Carioca. Fiquei um tempo ali, desfrutando o momento. Quando eu teria outra oportunidade de entrar numa loja de guarda-chuvas?
Comprei um modelo automático, portátil, da marca Fazzoletti, que depois eu soube ser fabricado no Rio Grande do Sul. Quando desarmado, fica pequeno, ótimo para carregar. Usei-o muitas vezes, nenhuma vareta se quebrou, todas as costuras se mantiveram perfeitas. Um primor.
Em outubro deste ano dei por falta do guarda-chuva. Como é possível? Refiz os passos dos dias anteriores, liguei para as casas de amigos, procurei nos bares costumeiros, vasculhei casa, consultório e carro, tentei me comunicar com os motoristas de Uber. Nada. Mesmo que fosse um guarda-chuva sem história eu teria ficado aborrecido. Mas logo esse, feito na terra do meu pai, comprado na cidade natal do meu avô, numa viagem com amigos, em que visitei meu companheiro George! Imperdoável.
Acabou-se o mês de outubro. No final de novembro precisei fazer a revisão do carro. Levei-o para a concessionária. Fui busca-lo no outro dia, pois me convenceram a fazer uma cristalização e pequenos retoques na pintura, além de uma lavagem radical, “O senhor vai achar que tem um carro novo”. De fato, o serviço ficou ótimo. Quando cheguei em casa, ao olhar casualmente para o banco de trás, quem estava lá? Meu precioso Fazzoletti portátil, automático, feito nas plagas gaúchas, comprado em terras cariocas, resgatando a minha fama de não perder coisas. Fiquei eufórico. Lá estava ele, intacto, depois de dois meses sumido. Torci para que chovesse, mas São Pedro estava de bom humor.
Eu tinha vasculhado o carro, porta-malas, espaços embaixo dos bancos, até o porta-luvas, onde nem cabe um guarda-chuva. Fiquei sem entender onde ele se tinha se escondido, paciência, há dados irrecuperáveis.
Dali dois dias a concessionária me ligou. Queria uma avaliação do serviço feito. Exagerei nos elogios, a atendente pareceu surpresa, agradeceu e desligou.
Deixo os guarda-chuvas da casa na área de serviço, pendurados num local apropriado. Às vezes confiro se ele, o especial, continua lá. Incrível esse guarda-chuva. Deve ter feito essa presepada para me dar uma lição, afinal não fui eu quem o encontrou, ele é que resolveu aparecer. Mostrar-se assim, de repente, no banco de trás do carro: quis fazer-me uma surpresa? Ou sumiu e reapareceu para se tornar ainda mais inesquecível, como faziam as adolescentes da minha época.
Se vocês me virem por aí num dia de chuva, por favor, verifiquem se estou com ele. É um Fazzoletti, preto, portátil, de tamanho médio, a marca estampada em branco, em letras cursivas, perto do cabo. Não deixem que ele se perca. Comprei-o quando visitei um velho companheiro de lutas. É um guarda-chuva histórico, vou precisar dele. Há sinais de tormenta no verão que se aproxima.
crônica publicada no jornal “A Tribuna”, em 23/12/2018