Livro: Tudo pode ser roubado
Autora: Giovana Madalosso
Editora Todavia, 2018
Uma garçonete narra suas aventuras em primeira pessoa. Melhor dizendo, narra seu modo de viver, o jeito que arranjou para atingir um objetivo: comprar seu próprio apartamento. Ela procura envolvimento sexual com homens ou mulheres e, uma vez dentro do apartamento do parceiro ou parceira, investiga o que há para ser roubado. Uma vez atingido seu objetivo, vende a mercadoria para um brechó. A dona deste estabelecimento é uma figura importante e fascinante do livro.
Em meio a suas atividades, aparecem os traços característicos da personagem e de seus companheiros, emergindo um arremedo de filosofia de vida, como no diálogo a seguir:
Depois pergunta: e você, nunca precisou tomar nada? Nunca. Mas às vezes eu fico triste. Com o quê? Sei lá, com a vida. Uma tristeza suportável? Acho que sim. Então tá ótimo. Essa é da boa, tristeza gostosa de sentir. Você tá doido, digo rindo. Doido nada, ele fala, e liga o aparelho de som ao lado da cama. Depois continua: imagine que você passa sua vida toda num lugar. No meu caso, a tristeza. Por mais sombria que seja, é a minha pátria. Voltar pra ela é como voltar pra casa. É onde me sinto à vontade. Eu sou nativa da apatia. Acho que formamos um belo casal, ele fala e sorri embriagado, os olhos quase se fechando.
A vida dá uma guinada quando alguém que a conhece sugere um roubo mais audacioso, uma peça que seria vendida por bom preço a um colecionador. É este acontecimento que dá o movimento principal do livro.
Paralelamente a seus contatos, a narradora vai dando feição a um mundo subterrâneo de São Paulo. O restaurante em que trabalha, e é funcionária exemplar, fica na Avenida Paulista e faz o contraste com sua vida pós-expediente, o submundo onde realiza suas aventuras. É neste lugar que ela se sente mais viva e senhora de si.
Depois sentei, tirei a jaqueta e dei uma olhada nos clientes. Três amigas batendo papo. Uma senhora com um garoto que parecia michê. Um grupo de executivos bêbados. Um homem de sunga e coleira no pescoço. Essa era a São Paulo de que eu gostava, a São Paulo depois do expediente, quando as pessoas afrouxavam a gravata e deixavam entrever, como flores sinistras rebentando pelo corpo, as marcas de viver numa cidade tão obcecada com a produtividade.
A linguagem da autora nos fisga desde o primeiro momento. Os personagens são muito vívidos, bem delineados, têm personalidades próprias. É um livro difícil de largar, muito bem escrito e envolvente. Vamos acompanhando as peripécias da moça quase visualmente, como se estivéssemos num filme. Daria um bom roteiro.