Luiz A G Cancello
Eu já havia lido “Sumissão”, um livro do mesmo autor que causou certo impacto na França. Fiquei bem impressionado com a narrativa, embora sentisse falta de alguma força, de entusiasmo. O tema é a possível islamização do país, dado o enorme e prolífico contingente de imigrantes. As gerações já nascidas em solo europeu, atingindo postos importantes na sociedade francesa, trariam consigo uma pressão para impor a religião islâmica ao país.
“Serotonina”, apresenta uma história bem diversa, embora os personagens masculinos tenham traços semelhantes, como tendência à solidão e dúvidas existenciais do mesmo tipo.
Os autores franceses, desde Sartre e Camus até os dias de hoje, parecem gostar de homens perdidos no tempo e no espaço, vagando por Paris ou pela Europa, à procura de um sentido para a vida (seja lá o que isso for).
Neste livro, Michel Mouellebecq faz jus a tal tradição. O personagem principal, que narra a história em primeira pessoa, é um sujeito com algumas posses, fruto de herança, empregado de um órgão governamental ligado à agricultura. Embora trama seja contextualizada, envolvendo o conhecido protecionismo francês a seus camponeses, a comunidade europeia ameaçada de esfacelamento e outros temas políticos, o eixo está em Florent-Claude Labrouste, o narrador que não gosta do próprio nome e não acha um território que possa chamar de seu. O trecho a seguir é esclarecedor:
“Rousseau se proclamava “o mais sociável e o mais amoroso dos seres humanos”. Não era o meu caso; já falei de Aymeric, já falei de algumas mulheres, a lista afinal é curta. Ao contrário de Rousseau, eu não podia dizer que tinha sido “proscrito da sociedade humana por acordo unânime”; os homens de modo algum se aliaram contra mim; aconteceu simplesmente que nada aconteceu, minha adesão ao mundo, que sempre havia sido limitada, pouco a pouco foi se tornando inexistente, até ser impossível parar a voragem.”
Há mulheres na vida de Florent, paixões sempre cheias de obsessão e dúvidas, além de muitas particularidades e reflexões sobre sexo. Justificando o título, o antidepressivo Captorix é onipresente, e seus efeitos benéficos e colaterais moldam em grande parte a vida do protagonista. O livro cita algumas bandas de rock que ele e suas companheiras escutam, o que me leva a pensar numa versão francesa tardia e pós-moderna da tríade “Sexo, drogas e rock’n roll, não fossem as constantes menções a filósofos e literatos, coisa que às vezes me pareceu gratuita, um certo alarde de erudição.
As andanças de Florent não deixam de ser interessantes, ele percorre diversos lugares da França, dando até detalhes de gastronomia e enologia. Ao descrever estradas e regiões de modo parcial, no entanto, dá a impressão de que o livro se destina a quem tem familiaridade com essa geografia e está pouco se lixando para os outros. É possível que, para Houellebecq, uma pessoa culta e digna de lê-lo deva ter esse conhecimento.
Depois de tudo o que escrevi, é possível que vocês descartem a possibilidade de ler “Serotonina”. Mas digo que, depois de começar a leitura, não pensei em interrompê-la. Alguma coisa me ateve à escrita, talvez a incerteza de onde iria desembocar tanto desespero, tanto vazio. É nesse sentido (ou falta dele) que o texto prende o leitor e o leva a partilhar a vida de Florent-Claude Labrouste, que teima em viver, apesar de não gostar nem do próprio nome.