Santa de Barro

Luiz A G Cancello

Estático, contemplo
O barro tornado imagem.
As dúvidas vão se espelhando
Na terra tornada ícone.
(Esse torpor que me invade
 diz que não resta mais tempo) 

Estátua do norte, humilde
Sem templo, órgão e canto!
Talvez soem ladainhas
Em nichos, à beira da estrada.
(Se um dia me sentir santo
 o demônio dará o revide)

Agora o sagrado incide
Numa fenda no meu peito.
O corpo abre um espaço,
A espada logo me atinge.
(No coração, eleito,
 a luz celeste me cinde) 

Santa de barro, sublime,
Que num cair se espedaça.
Que fazes com essa adaga,
Instrumento de paz e de guerra?
(A lâmina me amordaça,
 a ponta os olhos me vela)

1984