Querida Konbini, de Sayaka Murata

Livro: Querida Konbini,
Autora: Sayaka Murata
Editora: Estação Liberdade, 2019, 6ª edição

Querida Konbini é um livro que narra a vida de Keiko Furukura, uma mulher de 36 anos que trabalha em uma konbini (loja de conveniência) há 18 anos e nunca teve outro emprego ou um relacionamento amoroso. Keiko é vista como estranha pela família e pelos amigos, que não entendem sua escolha profissional e sua falta de interesse em se casar. Ela, porém, se sente feliz e realizada na konbini, onde segue as regras e os procedimentos com perfeição e se adapta aos diferentes colegas e gerentes. A konbini é o seu lugar no mundo, onde ela se sente parte da sociedade.

Naquele momento pela primeira vez eu fazia parte do mundo. Acabo de nascer, pensei. Sem dúvida, aquele dia marcou meu nascimento como uma peça no mecanismo do mundo.
Às vezes faço as contas, na calculadora, para ver quanto tempo se passou desde então. A filial de Hiiromachi da Smile Mart continua de luzes acesas, sem ter fechado um dia sequer, e assim chegamos, pela décima nona vez, ao dia 1º de Maio. Eu cheguei aos trinta e seis anos. Como funcionária tenho 18 anos, a mesma idade que a loja.

De uma perspectiva psicológica, podemos dizer que a personagem principal não introjeta os modos de comportamento socialmente aceitos. Ela precisa de um modelo, de uma pessoa para copiar, ou pede que alguém lhe diga como se comportar. O universo restrito da konbini, com suas regras rígidas, vai lhe proporcionar os modelos de como agir no mundo.

Nem eu saberia explicar por que precisava ser na loja de conveniência, por que não poderia ter um emprego comum numa empresa. O problema era que ainda que aquele minucioso manual tivesse possibilitado que eu me tornasse uma funcionária, longe dele eu continuava não tendo a menor ideia de como agir como um ser humano normal.

O livro, de um ponto de vista sociológico, é uma crítica à sociedade japonesa, que impõe padrões de normalidade e exige que as pessoas se encaixem em papéis sociais pré-definidos. Keiko é uma personagem que desafia essas expectativas e mostra que há outras formas de viver e talvez de ser feliz, embora muito mais restritas. Ela não se importa com o que os outros pensam dela, mas também não quer causar problemas ou preocupações. No decorrer da trama ela acaba aceitando a proposta de Shiraha, um homem preguiçoso e machista que quer morar com ela para fugir da pressão social. Essa decisão vai mudar a vida de Keiko e colocar em risco sua relação com a konbini.

A escrita de Sayaka Murata é ágil e envolvente, com um toque de humor e ironia. Ela cria uma personagem original e cativante, que nos faz refletir sobre os papéis que a sociedade impõe. O livro incomoda e questiona a nossa vida cotidiana de maneira inteligente, abalando os padrões de comportamento impostos pela tradição.