Luiz A. G. Cancello
Faz algum tempo que se ouve falar de pessoas que se apaixonaram via Internet. Mesmo aqueles não familiarizados com a rede mundial de computadores passaram a comentar os casos, expostos em jornais e em revistas de circulação nacional. A opinião mais comum é a de que se trata de “um absurdo”, uma relação “fria”, baseada na “fantasia” que um dos participantes faz do outro, pois nada mais conhece dele além de suas… palavras.
Comentários sobre psicólogos que oferecem serviços de psicoterapia via Internet também estão em pauta. Esta modalidade de atendimento mereceu a atenção do Conselho Federal de Psicologia, divulgada no jornal da entidade, alertando para a novidade da prática e para a falta de sua base científica.
O que está em jogo, nessas reações, é a seguinte dúvida: é possível sentir e transmitir emoções via computador? Serão esses sentimentos “autênticos”? Em Ciências Humanas, não somos muito familiarizados com máquinas, fora dos estudos de ergonomia que se fazem em Psicologia Industrial. Esses objetos – que mais humanos não poderiam ser, pois desconheço outro ser vivo, além do homem, que os elabore – trazem o estigma da frieza, da materialidade e da superficialidade (em oposição a um possível nível profundo das relações face a face).
Talvez muitos que estejam lendo estas considerações tenham visto o filme “Nunca te vi, sempre te amei”. Ali os protagonistas apaixonam-se através de cartas. Conheceram-se por sua possibilidade de expressar-se pela escrita. Que eu saiba, ninguém aplicou ao filme as considerações negativas a que fiz referência no primeiro parágrafo deste texto.
Colocar a questão como a possibilidade de “emocionar-se através de uma máquina” revela desde logo um preconceito (ou um desconhecimento, pai do preconceito) sobre o tema. O que está em tela é o fato de a expressão escrita poder ser tão pregnante a ponto de despertar paixões e de calar tão forte naqueles que estão abertos para esse universo de linguagem. A particularidade de as letras estarem em uma tela de computador sem dúvida traz novas reflexões, mas não as torna tão diferentes daquelas escritas sobre o papel de carta. Alguém pode dizer que sente falta da caligrafia do outro. Mas tantos missivistas famosos usaram suas máquinas de escrever! Outros podem, ainda, sentir falta de comprar o envelope, lamber o selo e enfrentar a fila dos correios. Isto pode ser lido como uma ironia, mas não o é; um certo romantismo associado às cartas implica nestas imagens, quase como um sacrifício necessário para que as palavras cheguem a seu destino.
Creio que nenhum leitor de romances tem dúvidas sobre o poder que a escrita tem para despertar e transmitir emoções. Muitos psicólogos já disseram ter aprendido mais Psicologia lendo “Os Irmão Karamazov”, de Dostoiévski, ou o “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa, que em muitos manuais específicos da matéria. Descontando o exagero de tais afirmações, fica assim consignado o poder de a Literatura ensinar coisas muito importantes sobre as emoções humanas, mesmo para pessoas que lidam com elas diariamente.
Claro está que a maioria dos missivistas internautas não faz Literatura, mas uma parte deles pode mostrar-se de uma forma significativa usando os recursos da escrita. Quem negar isto estará negando um aspecto fundamental da cultura humana.
Há críticos das novas formas de comunicação que levantam outros problemas – por exemplo, o fato de a pessoa “do lado de lá” da tela estar mentindo. Fora algumas situações caricatas — por exemplo, um homem se fazendo de mulher, ou vice-versa — a mentira não é privilégio dos computadores. Objeções deste tipo apenas escancaram o já comentado preconceito.
Para sossego dos mais reticentes: em recente artigo na Folha de São Paulo, Pierre Lévy, um dos teóricos mais famosos entre os que se dedicam ao nosso tema, informa-nos sobre um fenômeno pouco difundido: as pessoas que se conhecem através do cyberspace tendem, se as distâncias o permitirem, a encontrar-se pessoalmente, mais cedo ou mais tarde. E mais: fora os casos patológicos – que também não são privilégio de usuários de computadores! – os indivíduos que mais se comunicam por telefone, cartas ou Internet são os que têm mais amigos. Em suma, ao contrário do que se possa pensar, o advento da eletrônica antes aproximou que afastou os homens.
Nada do que foi dito justifica que se saia fazendo “cyberterapia” a torto e a direito (ou que se viva procurando paixões via e-mail!). É preciso uma forte teorização, ainda em processo de desenvolvimento, para que seja confiável atender clientes via Internet. Mas nada justifica a negação a priori de uma possibilidade humana já tão presente para aqueles que navegam no espaço virtual.
Artigo publicado no EGO – Informativo da Associação dos Psicólogos de Santos, de janeiro/fevereiro de 1998.