Título: Pequena Coreografia do Adeus
Autora: Aline Bei
Editora: Companhia das Letras, 2001
Apreciação de Luiz A G Cancello
A autora escreve em primeira pessoa. Júlia está na transição da adolescência para a idade adulta. A história se passa nessa fase. Ela é uma moça introspectiva e sem amigas, que vai nos contar de sua solidão, seu desalento com a família, sua tentativa de sair de casa e se afirmar na vida. Júlia tem um diário e, aos poucos, vai afirmando o desejo de ser escritora.
Aline Bei explora uma série de recursos gráficos para acentuar a expressão do texto. Altera tamanho de fonte, quebra as frases antes da margem da página (como poesia), usa o itálico, trabalha com o espaçamento entre as linhas e alguns caracteres não usuais. Depois de um primeiro estranhamento, o leitor se envolve na forma da narrativa, assimilando a originalidade do estilo.
Filha de pais que se separam, a protagonista tem conflitos sérios com a mãe.
“as surras que eu levava
eram as surras que a minha
mãe levou
em looping
na minha pele, na pele dos
filhos que ainda não tenho.
é o que chamam de carma ou:
carregar uma pedra involuntá-
ria no coração.”
A autora tem o dom de descrever poeticamente estados subjetivos, mostrar os estados internos doloridos, marcados pela vida.
Há um trecho notável, em que os pais são chamados na escola, pois Júlia havia se comportado de maneira inadequada. Ela pensa em esclarecer a diretora, mas não o faz.
“nosso jeito de conversar, dire-
tora, é nos machucando
não por mal, não somos maus
somos tristes e isso é o que fa-
zemos com a nossa solidão.”
Mesmo os personagens exteriores à família, que aos poucos vão surgindo na narrativa, são chamados a realçar o estado interior de Júlia:
“e o Ricardo me deu um tchau
com a palma bem aberta
a outra mão no bolso
da calça de alfaiataria.
antes de virar as costas e ga-
nhar a Noite
ele me ofereceu, com seus
lábios finos, o sorriso de al-
guém que não sabe, não faz
ideia do que significa a palavra
abandono.”
O livro retrata uma classe média baixa, suas paixões, costumes, hábitos. O emprego do pai é modesto, o trabalho que Júlia busca também o é, assim como os hábitos da mãe parecem quase estereotipados. São pessoas socialmente simples, mas o texto lhes dá uma grande densidade psicológica. Escrito na maior parte das vezes como fluxo de consciência, alterna a forma com as palavras do diário íntimo, além do esboço de um primeiro livro que Júlia pretende escrever. Importante e bela lição sobre uma importante fase da transição de uma mulher comum, mas de grande riqueza psicológica.