Paralisia

Luiz A. G. Cancello

num antro diluído da realidade,  
num momento estendido do cotidiano,  
há uma nesga,  
   uma fenda,  
   onde o olho não passa,  
                perpassa,  
   e vislumbra;  
esse umbral,  
   sombra encravada na densidade  
   sentida sobre os ombros,  
   sofrida nos olhos atentos,  
   inspirada no respirar  
                   arquejante,  
pinçada na banalidade do dia-a-dia. 

além da linha demarcatória  
      acontecem coisas. 

aterra-me nunca saber  
   o instante de encontrá-las,  
   obstáculos virtuais surgidos na noite  
   em estradas que eram planas  
   até o crepúsculo.  
ante a Coisa  
   fragmenta-se a experiência de vida,  
          rompendo-se a história.  
   crispam-se os dedos em pânico,  
          esfarelando o futuro.  
resta ao presente uma explosão contida  
      engastada no fundo da garganta.  

15/12/84