Luiz A G Cancello
A conversa ideal, aquela em que todos falam e são escutados, é muito rara. Pessoas com maior habilidade verbal e/ou ego inflado dominam a cena. Esse padrão vai da mesa de bar à sala de visitas, está presente em quase todas as rodas de amigos, para glória de poucos e desespero de muitos.
Os desajeitados ou desinteressantes, aqueles que têm a sensação de não interessar aos outros, não são peritos no manejo das palavras, mas querem se manifestar. Alguns tentam, às vezes com certo grau de sucesso, a depender da boa vontade dos ouvintes. Em geral, porém, não têm coragem de abrir a boca. O que temem?
Os desinteressantes temem ver seus interlocutores com aquela cara de condescendência, apenas esperando que acabem de falar para continuar seus assuntos. Esses pseudo-ouvintes têm uma certa expressão ansiosa, o pescoço arqueado para frente, o olhar fixo nos lábios do pobre coitado, o corpo prestes a dar o bote, a boca em posição de proferir uma palavra que já está à espera na garganta, para interrompê-lo assim que ele fizer a mínima pausa. Os sinais são bastante conhecidos por aqueles que carregam pela vida sua desinteressância.
O desinteressante teme certas respostas típicas. Acontece quando toma a coragem para relatar uma façanha. Ainda com alguma taquicardia, resultante do esforço que fez para falar, o infeliz ouve: “Isso não é nada!”, desqualificando totalmente sua narrativa, e tem de escutar uma aventura muito mais arrojada, contada por quem o reduziu à insignificância. Incapaz de reagir, aguenta firme o martírio.
“Se fosse eu…” pode ser, também, uma introdução ao horror. O sujeito, que supostamente vai se colocar no lugar do outro, descreve um jeito muito mais inteligente de manejar a situação apresentada pelo pobre desinteressante. Há variações. “Se eu fosse você…”, ou modos mais educados, “Eu não estava lá, mas eu faria diferente.” No final dá tudo na mesma. “Estou pensando em ir a Paris.” “Se eu fosse você, iria a Roma. É uma cidade mais calorosa.” Ali, ao lado do desinteressante, há alguém que sabe das coisas melhor que ele. Todas as pessoas do mundo sabem das coisas melhor que ele. Ao menos dizem que sabem.
Há também as pequenas expressões, “Pode crer”, “Legal”, “Massa”, “É isso aí”, seguidas da conjunção “mas”. Os interessantes pegam um gancho e iniciam um assunto completamente outro, que nada tem de oposição ao anterior, apesar da adversativa. “Ontem quase bati o carro do meu cunhado.” “Pode crer, meu irmão. Mas sabe que ontem mesmo eu também tomei um susto? Achei que tinha entrado um ladrão na minha casa!” O carro do cunhado deixa de existir junto com o motorista assustado.
Os relatos de doenças são uma ótima oportunidade para os interessantes tripudiarem seus interlocutores inábeis. A fórmula mais usada é “Eu também”. Um caso típico: “Ontem eu estava com uma rinite danada” “Eu também. Mas fui num homeopata sensacional. Cara, ele me deu umas bolinhas…” E a história se estende, fazendo do outro um ouvinte passivo, com sua rinite original perdida na conversa.
O tema vai ao infinito. Um curso de oratória talvez resolva parcialmente a situação dos atemorizados. Não sei se há coaches especializados em melhorar habilidades de conversa. Um grupo de DA, Desinteressantes Anônimos, é uma ideia. Há o perigo de ninguém falar nas reuniões. Pode-se indicar aos interessantes um treinamento para descentralizar o ego, exercitando sua capacidade de se ouvir o outro. É o melhor caminho, mas duvido que haja interessantes interessados.