O termo exato

Luiz A. G. Cancello

É incrível como nem sempre pensamos nos termos certos para coisas corriqueiras. Explico o porquê de meu espanto. Há uns dois meses tive um desconforto abdominal. Deixei quieto, esperando passar, mas não passou. Marquei um médico, um gastroenterologista, o que já é uma palavra incrível, mas não é dela que pretendo falar. Entrei no consultório, depois de ouvir as inevitáveis conversas sobre doenças na sala de espera. Sempre levo um livro, tento me concentrar na leitura, mas é impossível desligar-se de uma senhora comentando aspectos de sua flatulência.
Pois bem. O doutor, um moço bem simpático e bem apessoado, estava ali para ouvir pela milésima vez uma história de dores e enjoos. Quando acabei as queixas iniciais perguntou-me:
— Você evacua normalmente?
O que será que isso quer dizer? Respondi que sim, creio que o faço como todo mundo, embora nunca tenha conversado sobre meu jeito de evacuar com parentes e amigos.
— E como é o aspecto das fezes?
Eu ia responder: “Variado”, mais uma vez como qualquer mortal relativamente saudável, segundo o senso comum. Confesso que pensei em digitar “merda” no arquivo de imagens do Google, para me certificar da correção do que estava dizendo. Ocorreu-me ainda fazer uma brincadeira, dizer “Eu pinto legal a porcelana”, ou “O moreno escorrega sem problemas”, mas não seria adequado. Percebendo minha hesitação, o doutor forneceu a expressão precisa:
— Fezes cilíndricas?
Fezes cilíndricas! Que maravilha! Como pude viver mais de 60 anos sem me dar conta disso, que cagamos cilindricamente, ao menos nos melhores dias? Nenhum outro sólido geométrico, esfera, ovóide, dodecaedro, poderia dar idéia tão exata. O médico estranhou minha admiração, claramente desenhada no rosto. Franziu a testa e perguntou, preocupado, antes que eu dissesse qualquer coisa:
— Não são cilíndricas?
— São cilíndricas.
Tive vontade de me estender, considerando que são irregularmente cilíndricas, pois tais figuras, em sua perfeição, acontecem apenas no mundo abstrato da matemática, quis também dizer que a imagem era perfeita, jamais esqueceria esta conversa, escreveria mesmo sobre ela, mas calei-me. Por mim a consulta estaria terminada, iria eu para casa com o gosto de ter feito uma descoberta surpreendente. As coisas, porém, nem sempre acabam no tempo certo. Suportei o resto da anamnese, a apalpação do abdômen, o pedido de exames laboratoriais e as recomendações alimentares. Ainda tive de ouvir:
— Traga-me estes resultados assim que possível. Mas acho que seu desconforto é emocional. O senhor tem se sentido estressado?
— Creio que não.
Era verdade. Naquele momento toda a tensão estava apaziguada. Encantado pela relação entre a geometria e o cocô, nem me lembrava dos males da barriga. Despedi-me calorosamente do doutor, que estranhou tanto entusiasmo. Não pretendia fazer os exames. Fezes cilíndricas! A harmonia entre o corpo e a linguagem repousava nessas duas palavras. Fantástico. Senti-me curado.
Liguei para um amigo, professor de Matemática, para jantarmos. Estava ansioso para contar o caso.
— Você devia fazer o que o médico manda. Posso dizer que faço xixi parabolicamente, mas isso não vai me curar de uma infecção urinária. É só uma metáfora.
Ele estava enganado. Foi real, muito real. Estendi a mão e enchi a boca com um pedaço de pizza que estava na geladeira, para ganhar tempo e justificar o silêncio. Depois de mastigar mudaria de assunto. A muçarela e a calabresa desceram suavemente pelo esôfago e aninharam-se no estômago, como um bebê nos braços da mãe.