O Homem e seu Canivete

Luiz A. G. Cancello

Um homem, ao atingir a maturidade, deve ter um canivete. Há muitas razões para isso. A principal delas está longe de ser utilitária, como será demonstrado. O canivete é um complemento à masculinidade plena, um recurso indispensável para impor o respeito devido a essa fase da vida.
A palavra tem origem francesa e a fábrica mais famosa está na Suíça. É elegante, em certas rodas, pronunciar-se “canivet”, omitindo-se discretamente o “e” final. Você mostra para os amigos a profusão de instrumentos ali condensados, cada um com seu emprego preciso. Pode haver a sugestão de ter comprado a maravilha no estrangeiro, mas a invasão dos produtos importados deixa pouca margem à veracidade de tal afirmativa.
Mantenha o aparelho lubrificado, para não quebrar a unha do polegar, ao destacar as lâminas em momentos de maior entusiasmo. Seria um enorme vexame. É bem verdade que você só usou uma ou duas vezes o abridor de garrafas, mas nada impede os vôos imaginativos. Por isso, treine em casa os diversos passos da demonstração.
A lâmina grande impressiona. Você deve brandi-la a uma distância estudada – não muito perto do nariz do outro, para evitar um gesto ostensivo, mas perto o suficiente para ele pensar que você pode, com ela, dar um talho horrível na bochecha de um adversário. Isto funciona especialmente com amigos jovens e recentes, que ainda não o conhecem bem. Enquanto seu interlocutor não se desfaz do impacto, feche a faca maior e abra a menor. Sugira que é ótima para descascar laranjas. Sem tirar totalmente a força da argumentação, esta atitude abranda o clima do diálogo.
Em seguida mostre a tesoura. Pode cortar unhas, mas esta ideia encerra um certo mau gosto. Tente mostrar outras utilidades. Aquele pelos que nascem na orelha ou no nariz… não, isso é coisa de velho. O fio que a costureira deixou pendurado na bainha da calça e que a gatinha com quem você sai de vez em quando poderia notar. Ótimo. Fique com esta opção.
Antes de mostrar o lado oposto do canivete aproveite o clima erótico. Exiba o abridor de garrafas. Faça o seu amigo imaginar a tampa da cerveja saltando, a moça maravilhada com sua habilidade e previdência, isso (e apenas isso, a esta altura da vida) o faz valer por dois. Sugira, entretanto, que prefere vinho. Estará formando um trunfo para a fase do saca-rolhas.
Sem intervalo, puxe o abridor de latas. A ponta chata serve também para apertar parafusos, mas isto não tem o menor charme. Esqueça as sardinhas, mencione o caviar. Se o seu amigo conhecer a sua situação financeira e estiver com uma expressão de dúvida, passe imediatamente ao próximo item.
Vire o canivete do lado oposto. Há uma ponteira, própria para furar materiais moles, como couro e madeira. Pegue o canivete na mão e deixe a peça entre o dedo indicador e o anular. Sorria, não fale nada; seu amigo verá que a coisa funciona como um eficiente soco inglês. Sem dar tempo a comentários, diga que a ponteira é ótima para fazer furos adicionais no cinto das calças, quando ele perder aquela barriga. Isto, é claro, se houver alguma chance que ele perca a barriga. Se não, silencie.
Chegue ao saca-rolhas. Faça um gesto como quem abre uma garrafa de vinho. Lembre-se que esta cena já estava preparada. Imite o barulho, onomatopaicamente: “Pop!”.
Encerre a conversa neste ponto. Olhe o relógio, como quem tem um compromisso, e vá guardando seu objeto de estimação. Se ouvir um apelo, do tipo “Peraí, você ainda não me disse pra que serve este outro negocinho aqui do lado”, não faça caso. Mantenha o mistério. Limite-se a sorrir novamente. Esses sorrisos, em tempo certo, são essenciais para desconcertar o ouvinte. Jamais dê a ele a oportunidade de perceber que sempre viveu muito bem sem um canivete. Se você for bom mesmo, fará com que seu amigo vá para casa se perguntando como pode ter vivido até então sem ter um canivet.

Publicado no jornal “A Tribuna” de 16/02/1996