Luiz A. G. Cancello
Eu teria entre oito e dez anos, talvez, quando li um dos livro de Monteiro Lobato. Acredito que era “Viagem ao Céu”, mas não posso garantir. Desde então minha cabeça, por vezes, teimava em andar na Lua – bem antes do Neil Armstrong, como se vê. Havia no livro uma descrição empolgante da passagem do Halley, em 1910: a noite “parecia dia”, essas coisas. O astro voltaria a mostrar-se dali a 76 anos. Esperei 1986 com ansiedade. Na mesma época, e em muitas ocasiões posteriores, calculava também minha idade na passagem do milênio. Eu nascera em 1945. Logo, por uma elementar conta de subtração, teria em 55 anos em 2000. Durante décadas acreditei nesse número.
Tudo errado. O cometa foi um fiasco, uma nuvenzinha meio espremida entre as estrelas, que só consegui ver por sugestão de um amigo entendido em Astronomia (ao menos ele assim se apresentava). Estávamos no interior, onde fôramos a fim de ver melhor o que seria um maravilhoso espetáculo celeste.
Enganei-me também quanto à outra expectativa. Nasci em novembro de 45, na realidade tenho agora 54 anos; completarei 55 no próximo século. Passarei o mais famoso dia 31 de dezembro com um ano a menos, digamos assim. Só me dei conta do erro há bem pouco tempo. Menos mal; estarei mais moço que o esperado.
Eu estava sentado no Zero Grau, há mais ou menos uma semana, tomando um dos melhores chopes da cidade, quando surgiu na minha mesa o Eduardo Caldeira, velho conhecido das noites santistas. Temos quase a mesma idade. Curiosamente, ele cometeu idêntico erro de cálculo, e agora também vai passar o milênio com um ano a menos. Depois de comemorarmos esses 365 dias ganhos por nossos deslizes matemáticos, perguntei sobre sua expectativa de ver o Halley. Tivemos a mesmíssima frustração. Não perguntei se o culpado fora Monteiro Lobato. Outro brinde.
Ali ficamos nós, cinquentões, a bater os copos por calendários equivocados e cometas baços. Permanecia em mim uma sensação de déjà vu, como se o assunto de tantas conversas passadas sempre tivesse girado entre tempos mal contados e brilhos nunca vistos.
Santos, 14 de dezembro de 1999