Luiz A G Cancello
É junho, começa o tempo frio. Bráulio tira do armário as roupas de inverno. O cheiro de mofo se espalha pelo quarto, é desagradável, provoca espirros até em quem não é alérgico.
Mas como se livrar desse odor terrível? Elenca as peças para serem higienizadas e telefona para a lavanderia, uma voz eletrônica atende e pede para enviar whatsapp. Escreve a mensagem, faz a lista e espera. Meia hora depois vem a resposta. Ele se assusta com o preço. Diz que mais tarde retorna, agradece.
O jeito é fazer o serviço em casa. O destino dos casacos será a lavanderia, paciência, mas camisas de manga comprida, ceroulas e pulôveres irão para a máquina de lavar, é um jeito de atenuar o prejuízo. Faz uma pilha de panos no sofá da sala. Lembra-se da mãe, que sempre consultava umas etiquetas presas à parte interna das roupas, para ver o que deve ser lavado à mão. Como decifrar esses símbolos esquisitos? Liga o computador e procura as informações. Aprende os significados daquele alfabeto. Os pulôveres não podem ir pelo caminho mais fácil, é preciso pegar a bacia em algum canto da área de serviço, mergulhar o tecido, colocar pouco sabão em pó e depois enxaguá-lo. Vai aquecer a água para poupar a artrose dos dedos. Cuidado para não torcer a peça, esprema o pano e depois deixe secar. Antevê o trabalho e sente algum desânimo, acha tudo muito complicado, mas prossegue.
E suas boinas de lã, o que fazer com elas? São acessórios de estimação, comprou-as em sua única viagem ao exterior, em Lisboa, nas Rua da Portas de Santo Antão. Jamais poderia esquecer esse nome, tão sugestivo, histórico, sagrado. Como livrá-las do mofo?
Computador aberto na mesa da sala, acessa a Inteligência Artificial e faz a pergunta. O robô dá diversas sugestões, uma delas pareceu mais fácil e lógica, como é que não pensei nisso antes dessa máquina? É muito simples: deve-se colocar a boina num saco plástico bem fechado e deixá-la no congelador por algumas horas. O frio mata as bactérias responsáveis pelo cheiro e pelos espirros.
Bráulio fica entusiasmado, Ali está uma solução sensata e descomplicada. Antes de dormir deixa a boina no local sugerido. Poderia ter insônia, pensando na sua estimada peça de vestuário imersa em temperaturas polares, mas nada disso. Dorme tranquilo, tudo vai dar certo, ele sabe.
No outro dia se levanta contente. Passa pela sala e nem repara na montoeira de pulôveres, camisetas e ceroulas esparramados no sofá. Vai direto ao congelador, confere a integridade da boina e pendura sua preciosidade no trinco da janela da área de serviço. Contempla o movimento sutil da lã, há uma brisa leve, é bonito de ver. Toma o café e lava a louça, sossegado, esperando que o tecido atinja a temperatura ambiente.
No meio da manhã pega a boina e tenciona usá-la. É verdade que o dia não está muito frio, mas com boa vontade dá pra cobrir a cabeça. Confere se o cheiro de mofo foi embora, mas estaca. O que é isso? Percebe um certo odor de comida, talvez frango. Frango! Será possível? Não tem certeza, está quase em pânico. Que Santo Antão nos proteja.
Como quem não quer nada, Bráulio passa na casa da velha tia, ainda lúcida. O nariz é famoso na família, a sinceridade também. Ela o beija e não faz nenhuma observação. Ele suspira, aliviado, quase feliz.