
Luiz A G Cancello
A altura média dos mictórios, segundo as normas técnicas, é de 60 a 65cm do chão. Ou seja, a borda inferior da louça fica a pouco mais de meio metro do piso do banheiro.
Convenhamos que mictórios não são cômodos. É preciso ter uma certa habilidade para que o fluxo de xixi não respingue na calça ou molhe o chão. E muito cuidado com o precioso órgão, que precisa ficar a uma distância segura da louça, para evitar possíveis bactérias e fungos.
Nunca vi um mictório em casas particulares. Estão instalados em banheiros públicos, onde vai todo tipo de gente, de variados hábitos de higiene de todos os tamanhos. Não me entendam mal. Por “tamanho” eu quis dizer altura, o quanto as pessoas medem, da planta dos pés ao topo cabeça. É esta característica que me importa, no momento.
Suponho que a norma técnica leve em conta a altura do homem médio brasileiro, que é de 1,73 metros. O genital desse indivíduo fica a uns 85cm do chão, pois se situa aproximadamente na metade da altura do corpo (Consultei o Google, “Proporções do corpo humano”). O espaço que sobra, 20 a 25cm, é suficiente para evitar o contato com a louça. É preciso lembrar que o comprimento das pernas em relação à altura varia dentro de certos limites, o que torna o cálculo um tanto impreciso.
Um homem alto tem grandes dificuldades para não espalhar líquido pra todo lado, principalmente quando é jovem e o jato de urina é forte. Muitos chegam a flexionar os joelhos para ficar numa posição mais adequada, mas a postura é desconfortável. Os baixinhos, ao contrário, tendem a ficar na ponta dos pés, um equilíbrio bastante instável, com todos os perigos e respingos que isso acarreta. Esses homens de pouca estatura, na idade em que a pressão da urina decai, precisam fazer um esforço grande na coluna lombar, empurrando o púbis adiante, para que os últimos pingos (muitos) caiam no recipiente.
Em suma, a ergonomia dos mictórios é um desastre. Imagino que os jogadores de vôlei e os atletas da ginástica olímpica usem o mesmo vestiário. Vejam que despropósito.
Costumo viajar de ônibus e usar banheiros de rodoviária e dos restaurantes de beira de estrada. Penso constantemente em soluções para o problema. Não é necessário dizer qual dos casos descritos é o meu, nem quero centrar estas considerações nas minhas dificuldades. Meu alvo é o grande e sofrido coletivo masculino.
A primeira ideia que me vem é de uma série da mictórios em diversas alturas, começando da direita para esquerda, do mais alto ao mais baixo. O sistema correto pede que se estude a curva de distribuição das alturas dos homens da região. É provável, de acordo com os parâmetros estatísticos daí provenientes, que a curva se pareça com um “S” deitado.
Fiquei empolgado com a ideia. Resolvi desenvolver o projeto, registrar a patente e apresenta-lo a um fabricante de louças sanitárias. Precisaria, no entanto, de mais alguns dados. Qual seria a maior altura? E a menor? Deveria me basear nas proporções que li no Google?
Para ter uma aproximação prática telefonei a um amigo, o cara mais alto que conheço. Ele tem 1,90m.
— E aí, Zé, tudo bem?
— Porra, que legal falar contigo! Diz aí.
— Vou te pedir uma coisa.
— Manda.
— Mede a altura do teu pau até o chão.
— Como é que é?
Foi diálogo surreal, tive de explicar o meu objetivo e ouvir umas tantas gracinhas. Suportei as gozações até ele pegar uma trena na caixa de ferramentas e concluir:
— 95cm.
O Google estava certo.
No site do IBGE achei uma tabela de distribuição das alturas, com média e desvio padrão. Tive de decidir qual seria a estatura mais baixa; achei que 1,55m estava razoável. Montei o desenho com todas as medidas e fiquei bem satisfeito com o resultado. Já antevia ganhar uma grana legal, além de prestar um serviço à galera masculina. Fiz uma apresentação caprichada e enviei a três fabricantes de peças para banheiro.
Um deles nunca me respondeu. Os outros dois agradeceram o interesse pela empresa, prometeram retornar em breve. Já faz tempo, acho que esqueceram.
O descaso das fábricas fez com que eu duvidasse da utilidade do meu projeto. Para não perder a fé, de quando em quando fico observando banheiros masculinos de rodoviárias e postos de beira de estrada, para confirmar o acerto da ideia. Vejo os baixinhos na ponta dos pés, os grandões flexionando os joelhos, quase todos saindo com as calças respingadas. Os seguranças me vigiam com severidade, devem pensar que sou algum tarado ou voyeur, pouco me importa.
Eu sempre quis fazer alguma diferença no mundo. Tentei a militância política, o ativismo ecológico, escrevi um livro sobre as novas formas de amar, elaborei palestras motivacionais com exercícios inéditos, quase inventei um zíper que não prendia os pelos pubianos. Nada foi pra frente. Agora, já na casa dos sessenta, sinto que as oportunidades vão se esgotando. O mictório escalonado ainda é uma esperança. Tenho feito peregrinações pelas rodoviárias e postos de gasolina das estradas do país, com o projeto debaixo do braço, mostrando aos gerentes e proprietários dos estabelecimentos a minha ideia. Teve um cara, no Piauí, que achou bem legal. Convidou-me para comer uma carne seca, papeou muito, mas acabou em nada. No Rio Grande do Sul quase convenci uma gaúcha, filha do dono de um posto, mas vi que ela estava mais interessada no modo como os homens urinam que na minha invenção. No Pantanal riram da minha cara, o pessoal faz xixi no mato, pra que alguém vai gastar dinheiro nessa maluquice. No Amazonas aconteceu o mesmo, sempre tem um riozinho pra mijar. Nas áreas ditas mais civilizadas, no Sudeste, foi muito difícil conseguir falar com os donos dos postos, quase todos pertencentes a redes, sem um proprietário identificável. Os gerentes das rodoviárias são inacessíveis.
Recentemente soube que tenho uma doença grave. Não terei tempo para implementar a invenção em larga escala. Meu maior desejo é ter o projeto enviado ao espaço, naquelas cápsulas que a NASA manda para os confins do Universo, para mostrar quem são os terráqueos e sua fantástica tecnologia. Na semana passada mandei um e-mail para eles, para sondar a possibilidade. Estou esperando a resposta. Mas não quero me limitar a uma só esperança. Se alguém conhecer um gerente de rodoviária ou dono de posto de gasolina de estrada, aqui nas proximidades, por favor, me apresente. É muito importante pra mim e para todos os homens. Agradeço.