Apreciação de Luiz A G Cancello
“Meu nome é Emília del Valle” é uma história envolvente, com força da narrativa e e riqueza de detalhes. Isabel Allende, embora não seja considerada pelos críticos como pertencente à chamada “Alta Literatura”, tem um talento inegável para contar histórias. É sabido que seus livros costumam seguir padrões previsíveis — sagas familiares, memórias pessoais, narrativas históricas com toques de realismo mágico e protagonistas femininas fortes e independentes. Além disso, sua linguagem não busca inovação. A narrativa não tem grandes ambições estilísticas.
Tudo isso é verdade. Mas há momentos em que leitor deseja uma boa história, bem contada, no melhor estilo das narrativas orais, como as histórias da vovó. Dirão que é um desejo pouco sofisticado. Pode ser, mas até um leitor exigente pode ter seus momentos de neto.
Allende constrói aqui uma jornada da heroína. Emília del Valle, jornalista e escritora, é a protagonista. A trama se desenrola no contexto da guerra civil chilena, no final do século XIX, e a autora demonstra bastante cuidado com a pesquisa histórica. Nos agradecimentos, cita Juan Allende e o reconhece por sua “incansável investigação”.
A vida e o crescimento pessoal de Emilia, uma filha enjeitada criada por um padrasto amoroso, se mesclam com o desenvolvimento da guerra. Esse paralelismo é característico também de outras obras da autora.
As descrições das cidades de Santiago e Valparaíso são ricas e vívidas, assim como as paisagens geladas do sul do Chile. Os personagens secundários são fascinantes. Isabel Allende tem o poder de descrever uma personalidade em poucas linhas, fazendo com que um retrato apareça de imediato na mente do leitor. Mesmo uma figura pouco importante na trama, a esposa do embaixador americano no Chile, com quem Emilia contracena uma única vez, é descrita com sabor:
A esposa de Patrick Egan era uma mulher pequena e robusta, deformada pela maternidade. Havia perdido cinco filhos, e só três estavam no Chile. A dor dos filhos falecidos e ausentes era evidente no seu olhar opaco e na expressão triste, mas as provações suportadas não a tinham dobrado. Soube que era católica praticante, mas em algumas reuniões sociais se declarara partidária das leis anticlericais, como tirar da Igreja o registro de nascimentos e óbitos e transferi-lo para o Estado, legalizar o casamento civil e estabelecer a liberdade de culto. Suas opiniões caíam muito mal entre as senhoras chilenas, quase todas muito conservadoras, e lhe valeram mais de uma reprimenda incendiária do padre Restrepo. Aquela senhora controlava seu indomável marido apenas levantando as sobrancelhas, como pude apreciar quando o ministro se entregou a uma diatribe a propósito das mulheres que pretendiam invadir o campo dos homens. Referia-se à primeira médica do Chile, mas me senti atingida, porque, entre as damas do salão, eu era a única que trabalhava. As sobrancelhas da esposa o atalharam a seco.
Destaco também as ricas descrições das personalidades da vivandeira Angelita Ayalef, do pai adotivo Francisco Claro e da matriarca aristocrata Paulina del Valle. Já Eric Whelan, jornalista e parceiro de Emília, embora importante para a trama, não possui a mesma força narrativa que os demais.
Em suma, trata-se de uma leitura muito prazerosa, No mínimo, é uma aula bem interessante sobre a história do Chile, e por extensão da América Latina. A guerra civil tem aspectos bastante parecidos com outros conflitos do continente.
O poder de uma boa história não está apenas na inovação estilística, mas também na capacidade de nos envolver e emocionar. Esse papel Isabel Allende sabe fazer muito bem.