Melô

 Luiz A G Cancello

 Na melodia a pausa soa inverdade? 
 A pausa é a parada necessária da música, dizem. 
 Um silêncio curto e a gente espera o próximo som. 
 O espaço sem notas é aflitivo. 
 Mas sem a pausa a melodia tem som de catraca. 
 Foi no silêncio que percebi: minha voz tremia. 
 Que nota engasgada, depois de pausa, dá quase pânico. 
 Que na pausa o eco da última nota dói nos joelhos 
                           (se a gente está de pé) 
                                     ou na barriga 
                         (se a gente está deitado) 
 E o engano da fisiologia 
            é que há um coração 
            sempre em descompasso com o ritmo. 
 Por isso o pé espanca o chão, em protesto. 
 E assim os surdos dançam pelo tato. 
                (Eu, nem pelo tato). 
 O ritmo dá pausas ao silêncio 
              (ou ao barulho?)
 E tanta gente fecha os olhos 
        (para não ver o som?) 
 Algumas vezes nada me desce do cérebro para a barriga. 
 Daí, o descompasso. 
 
 Hoje faço um show 
 para todos os que pensam que sou músico. 
 Mas poucas vezes sou músico. 
 A música me dá medo. 
 Talvez por ser o avesso do mundo: 
        o silêncio traz apreensão, 
                   o ruído acolhe. 
 Talvez por ser coisa de cego. 
 Às vezes fico louco para a música terminar, 
 para virem as palmas, ruidosas e caóticas, 
 acabando de vez com tudo isso. 
 
 Detesto as palmas ritmadas.

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