Crítica publicada no jornal “A Tribuna”, de Santos, no dia 17 de dezembro de 2000.
Contos de Cancello em ‘A Carne e o Sonho’
Narciso de Andrade
Colaborador
A melhor definição de conto que eu conheço ainda é aquela de Mário Andrade: conto é aquilo que a gente chama de conto. Ah, os grandes achados de mestre Mário, infelizmente escanteado pela turma competente mas meio fanatizada do concretismo. Elegeram Oswald de Andrade e procuraram tirar o Mário da área. Mas isso, embora recente, já é coisa do passado. Temos Mário, temos Oswald, assim como temos Ferreira Gullar e Augusto de Campos. Cada um na sua.
Cada um na sua, como este competente psicólogo que fez da literatura o campo de pouso para o seu sonho, como está explícito no título do livro recentemente lançado pela Editora Bom Texto. Estou falando de Luiz Antônio Guimarães Cancello e seu livro de contos A Carne e o Sonho.
Cancello é muito conhecido nas rodas culturais da Cidade pela sua dedicação e competência neste campo tão difícil atividade humana, principalmente nesta cidade à beira Atlântico, onde as coisas costumam chegar um pouco tarde. Quando chegam.
Para o jovem mestre elas sempre chegam a tempo e hora porque se trata de uma criatura sempre atenta à evolução cultural de nosso tempo. Com ele tive maior contato quando ao tempo da revista Artéria, das reuniões na Secretaria de Cultura e por aí vai. Bons tempos, diga-se de passagem. Eu já desconfiava mas não o sabia escritor. Ei-lo aqui, todo inteiro, superados certos maneirismos dos primeiros trabalhos literários, neste livro de contos bem trabalhados.
Diga-se de passagem, o cuidado com o texto correto é uma evidência irretorquível no trabalho literário de Cancello. E quando digo texto correto não me refiro apenas a uma obediência, geralmente pouco criativa, das velhas regras da gramática tradicional. Texto correto para mim é aquele que funciona organicamente e transmite sem vacilações a real e consequente mensagem do autor. Este fato iniludível está presente em cada um dos 23 contos enfeixados neste caprichado volume editado pela editora carioca. Bom texto. É gostoso a gente manusear um livro trabalhado em papel de qualidade, duplo prazer da leitura
Como não sou crítico literário e só escrevo quando gosto do que leio, não me sinto impedido de apontar meus contos prediletos em A Carne e o Sonho.
Começo por Grupo de Estudos (pág. 31) onde sinto a presença indisfarçável do autor com seus hábitos universitários e a presença solidária nas discussões de grupos acadêmicos ou boêmias na sempre grande e bela noite santista.
Nas folhas 67, releio O Canivete: … todo homem, ao atingir a maturidade, deve ter um canivete
O tema canivete, como símbolo de masculinidade, é recorrente em nossa literatura nos períodos de formação do homem. Em meus gloriosos tempos de moleque quem possuía um canivete era o dono. do pedaço e este fascinante objeto assume rara grandeza na famosa crônica de Rubem Braga A Partilha. Cuja leitura recomendo, como recomendo, também, a leitura deste bom livro de Luiz Cancello.