Ler, Ser e Tempo

Quando estava lendo Ser e Tempo, de Martin Heidegger, na Associação Brasileira de Daseinsanalyse, descrevi em versos minha experiência com o livro.

Ler, ser e tempo

Luiz A. G. Cancello

Não lemos o tempo por lê-lo,
e, por passá-lo, ir ao ser.
e nem por sermos, tampouco,
pessoas de muito ler.

         lemos o livro, talvez,
         como hereges lendo a Bíblia:
         não um fechar de caminhos,
         mas um abrir de feridas,

onde restasse carne viva
coberta de fina película,
e cada dúvida havida
abrisse pequena fístula.

         (ler o corpo do texto
          no dissecar de seus termos:
          cada célula abrindo
          o diferente – e o mesmo).

Nem cremos que o tempo cure
cada ferida, senda aberta.
a cada fístula pensa
outra abrirá, na certa,

         pois corpo fechado não cura;
         como essência, nem existe.
         lemos o livro em fissuras,
         na carne que sinaliza

o tecido de um outro caminho
um texto onde o tempo, por lê-lo,
vai desvelando os sentidos
de ser homem – caótico enredo.

18/05/89