Luiz A G Cancello
Nas minhas pesquisas genealógicas descobri que meus antepassados pela via paterna, de sobrenome Cancello, têm seus primeiros registros no Rio de Janeiro. Meu pai sempre disse que meu avô, José Rodrigues Cancello, era carioca. Ele tinha vindo para o Rio Grande do Sul para trabalhar na construção do porto da cidade de Rio Grande, segundo notícias meio vagas. Morreu muito cedo. Meu pai, caçula de 7 irmãos, era pré-adolescente.
Sei o nome dos meus bisavôs, Jose Ignácio Matheus Cancello e Justina Augusta Cancello, pela certidão de casamento de meu avô. Há menção de um José Matheus Cancello em outro documento da época, mas não posso garantir que seja o mesmo José bisavô.
Em investigações que contratei no estado do Rio, em meio a jornais e textos de batismos e cartórios, há um tal Antônio da Costa Cancello. Ele pede licença à Igreja para se casar com Antônia de Jesus. Não sei que relação familiar tenho com o dito senhor, um cidadão português morador da então capital do país. Sendo um Cancello com dois “l”, é bem possível que tenha sido meu parente.
O documento em que ele pede sua licença é uma joia e será exibido adiante. Antes quero esclarecer que “banho matrimonial”, título da permissão clerical, é o anúncio público de um casamento feito pelo padre para verificar se há impedimentos à união. Não sei se o termo ainda é usado. E irmãos germanos, expressão em desuso, são aqueles que partilham os mesmos pais. Deixo os leitores com o texto original:
1. ACMRJ. Processo de banho matrimonial. Antônio da Costa Cancello & Antônia de Jesus. Ano: 1889. Caixa 2.845. Número 66.305.
· Data inicial do processo: 06/06/1899.
· A petição inicial do processo diz que “os pobres e submissos oradores Antônio da Costa Cancello, e Antônia de Jesus, viúva de Jacinto da Costa Cancello, todos portugueses e moradores na Freguesia do Espírito Santo desta Corte, vivendo amasiados e desejando deixarem a vida pecaminosa em que vivem, não o podem fazer em virtude do impedimento de afinidade lícita em 1º grau da linha transversal que entre eles existe, por ter sido a oradora casado com um irmão germano do orador, e para obterem a necessária dispensa do dito impedimento os oradores apresentam as seguintes razões: 1º que já se acham amasiados; 2º que não se uniram com o fim de facilitar a dispensa; 3º que em vida dos falecidos não fizeram promessa de casamento entre si, nem houve cópula entre ambos, e não havendo mais outro impedimento qualquer entre eles oradores nem de afinidade, nem de cognação espiritual, nem de consangüinidade, requerem e pedem a V. Excia. Revma. Se digne por caridade lhes fazer a graça de dispensá-los no impedimento referido assim como absolvê-los das penas de incesto impondo-lhes saudáveis penitências. E receberá mercê”.
· A fim de que o casamento fosse realizado, foi emitida a seguinte sentença:
“Nós à vista das razões apresentadas resolvemos conceder benigno deferimento. E assim por Delegação Apostólica a Nós concedida pelo Exmo. Monsenhor Internúncio Apostólico do Brasil em seu Rescrito de 20 de maio de 1889, no qual o mesmo Monsenhor declarou depois dispensados os oradores das penas do incesto cometido, Nós servindo-nos da dita Delegação dispensamos com os tios oradores no alegado impedimento de afinidade lícita em primeiro grau igual. Por penitência separem-se até que se casem, se confessem e comunguem, ouçam duas missas sem serem as de preceito, rezem dez Padres Nossos e correrão os três pregões dispensamos no lapso de tempo que haja. O Reverendo José Alves Pereira por si ou Sacerdotes de sua licença os receba em matrimônio. Rio, 6 de Junho de 1889. Pedro. Grátis”.
Como se pode observar, o padre foi bastante compreensivo e benevolente, concedendo “benigno deferimento”. Se os dois de fato se separaram até a data do casamento, não temos como saber. É interessante notar que a distância dos corpos foi imposta como parte da penitência. O Reverendo, mesmo em sua suposta castidade, sabia das coisas.
Frente a um documento tão claro e encantador o cronista tem pouco a acrescentar. Espero que o meu possível antepassado tenha desfrutado uma vida boa ao lado de sua amada.