Feliz Ano Novo

Luiz A G Cancello

– Cara, já é 2020!
O que eu poderia dizer? Algo tipo “É mesmo!”, ou “Pôxa, como o tempo passa!”, mas não é do meu feitio. Tento ser educado:
– Veja você!
Pensando bem, não diferiu muito das outras alternativas, mas foi o que me ocorreu. Ele prossegue:
– Parece que o tempo passa cada vez mais depressa.
Não seria elegante fazer um discurso sobre a subjetividade da afirmação, falar do tempo newtoniano e do tempo psíquico, esclarecer que, com a idade, tendemos a perceber que o fluxo das coisas se torna mais rápido, não, preciso aprender a conversar normalmente:
– É, compadre, estamos numa época vertiginosa.
Esse “vertiginosa” poderia ser evitado, não é uma palavra que se use em mesa de bar, mas saiu sem querer. Meu interlocutor não dá trégua:
– Meu chapa, até outro dia minha filha era uma criança, de repente ela tá um mulherão!
Isso era uma verdade insofismável. Denise estava maravilhosa. Precisei conter qualquer empolgação que pudesse escapar junto com as palavras. Não tinha como negar, tavez pudesse esclarecer que a menina não se desenvolveu, digamos, de uma hora para outra, os hormônios têm seu ritmo, é melhor parar com essas considerações, não é o caso:
– É, os filhos crescem.
Meu amigo balançou a cabeça, mantendo o copo de cerveja a meio caminho entre a mesa e a boca, como se constatasse o fluxo inevitável dos acontecimentos. Sem que eu esperasse, mudou o tom. Disse:
– Entra ano, sai ano, a vida é sempre a mesma merda.
Não endosso esse discurso, as coisas são variadas, acho que nem ele concorda com o que disse, cerveja em véspera de passagem de ano pode induzir à depressão. Por outro lado, eu não queria desqualificar uma declaração tão grave. Tentei ser delicado:
– Também não é assim.
Ele me fitou sério, mas com o olhar terno:
– Ainda bem que existem os amigos.
Pegou-me de surpresa. Tentei refletir sobre a missão salvífica da amizade, mas a emoção foi mais forte. Como disfarçar a quase emergência das lágrimas? Desviei os olhos, procurei a televisão que matraqueava na parede, pisquei, mantive a compostura. Fiquei me perguntando por que não me deixava desmontar, rodear a mesa e abraçar meu amigo, festejar corpo a corpo a ocasião? Mas a educação tradicional de macho se sobrepôs. Sem me levantar da cadeira, ergui o copo e propus o brinde:
– À amizade!
Encostamos vidro com vidro, tomamos os goles convencionais, ainda ouvi:
– É isso aí.
Dei uma olhada nas mesas em volta. Só então percebi o alarido, todos festejavam a proximidade da data. A teoria da ciclicidade do tempo encarnada no bar. Escapando assustado das divagações sociológicas, respondi:
– É isso aí.
Pedimos a conta. Levantamos. Enfim, o abraço apertado. Lembranças à família, sempre me lembro da sua mãe, velhinha porreta. Pena que não esteja mais conosco. Ela está melhor que nós. Quem sabe? Você acredita em outras vidas? Pra mim já basta essa. É, cada um com sua ideia.
– Feliz Ano Novo. Você é um grande cara.
– Você também. Tenha um grande 2020.
Voltei para casa andando. Estava meio trôpego, mas tinha bebido pouco.