Farmácia

Luiz A. G. Cancello

Vou à farmácia e digo à balconista:
— Quero uma caixa de Motilium.
— O Motilium mesmo? Temos também o genérico. Quer ver a diferença de preço?
— Não, obrigado, o médico recomendou que eu tomasse o original.
— Mas é a mesma coisa, é Domperidona.
— Sim, mas vou seguir a recomendação dele.
— O senhor tem cadastro na farmácia?
— Tenho.
— Qual é o seu CPF?
Dou o CPF. A moça digita o número numa espécie de caixa registradora. Pergunta:
O senhor é aposentado?
— Sim.
A atendente não comenta a minha resposta e pega o remédio. Junto vem um impresso com propaganda de cosméticos. Além disso, imprime um papel amarelo com ofertas:
— Hoje o senhor tem desconto nestes produtos. Quer escolher?
Eu estava com um pouco de pressa, não queria nada, não queria responder a um interrogatório, não gosto que me impinjam coisas de que não preciso. É duro dizer “Obrigado” nessas circunstâncias. Pego a cesta (é engraçado levar uma caixa pequena de remédio numa cesta), agradeço com esforço e dirijo-me ao caixa.
— Seu CPF, por favor.
De novo? Para quê, agora? Repito o número, nova digitação.
— O senhor quer Nota Fiscal Paulista?
— Não, não quero, obrigado. (A educação recebida em casa pode ser tirânica.)
— São R$ 19,90. Dinheiro ou cartão?
Apresento o cartão e enfio na maquininha.
— Débito ou crédito?
— Débito.
— O senhor quer contribuir com R$ 0,10 para a Associação de Combate ao Câncer?
Nada tenho contra associações benemerentes, mas a minha vontade era responder “Mais alguma pergunta, caralho?”. Para exercitar a polidez ao limite da exasperação, olhei o crachá da menina e respondi, tentando sorrir:
— Com certeza, Jurema.
Ela também sorriu.
— Então são R$ 20,00. Digite a senha, por favor.
Digitei.
— Pode retirar o cartão. O senhor quer a sua via do recibo?
— Não precisa.
A caixa coloca num saco plástico a pequena embalagem de Motilium e o tal folheto de propaganda. Tenho vontade de dizer que não preciso de nada além do que fui comprar, tira esse troço daí, cacete, penso em outras utilidades para o papel, mas antes que a palavra malcriada me saia da boca a moça termina o atendimento:
— Obrigado, tenha um bom dia.
Contenho meu impulso de dizer outra coisa:
— Pra você também.
Paro um momento na porta, com um início de falta de ar. Espero passar. Voltar e comprar um broncodilatador é impensável.
 
Saio dali pensando na farmácia a esquina de minha casa, quando eu era moço, há tantos anos! Fazia o pedido para o “seu” Jacinto, que buscava o remédio na prateleira, entregava para mim, eu pagava em dinheiro, recebia o troco e estava acabado o processo. Despedia-me cordialmente. E, vez por outra, quando os fregueses eram poucos, o “seu” Jacinto eu tomávamos um café na padaria ao lado.
Ainda prefiro aquele sistema. Era sólido, ninguém digitava porra nenhuma, não caía nunca. E a gente conhecia o farmacêutico pelo nome, sem precisar de crachá.