Experiências transformadoras

Luiz A G Cancello

Estou cansado de escutar alguns termos. Diria que fico à beira do esgotamento mental ao ouvi-los. Talvez eu não esteja lidando bem com minhas possibilidades de empoderamento. Falta-me energia, quem sabe, para pensar fora da caixa. Tanta gente nessa onda, o que faremos com tantas caixas vazias? Estranho também o número de pessoas que relatam experiências transformadoras. Deve ter um número incrível de mulheres e homens transformados pelas ruas. Fico pensando se já me transformei alguma vez, não chego a conclusão alguma. Faz bastante tempo que sou o mesmo, que lástima. Deve ser porque estou com dificuldades para sair da minha zona de conforto, caso contrário há muito seria outro (tenho dúvidas em querer ser outro, mas isso não vem ao caso). Já transtornado (não confundir com transformado) busco um vídeo de autoajuda, com milhares de visualizações. O simpático youtuber ensina os segredos da proatividade. Se metade dos que assistiram a aula conseguiram resultados, há muita gente proativa por aí, embora eu não os note. Preciso estar mais atento, é um desafio, mas, pobre de mim, não consigo me classificar entre aqueles que são movidos por desafios, acho um stress. Perco-me entre as propostas de coachs, mestres de mindfullness, gurus, mentores, terapeutas quânticos (essa palavra é terrível, ninguém sabe o que é exatamente, mas causa uma impressão poderosa e mágica). Um moleque de seus 25 anos, sempre no youtube, promete hackear minha mente para desbloquear a criatividade, ando muito precisado, pelo jeito. É possível que, desse modo, consiga reinventar-me. Alguém sabe onde posso assistir a uma boa palestra motivacional? Talvez me dê um upgrade. Enquanto espero a resposta, leio um dos tantos livros de autoajuda na livraria.
Falando sério: o que está acontecendo? Não há mais lugar, no mundo, para quem quer sossego, um emprego tranquilo, curtição com a família no final de semana? Precisamos ser todos CEOs, super-homens ou mulheres maravilha? Que tipo de ego ideal nos vende o frenesi destes tempos?
Sei que as práticas que enumerei acima, de maneira jocosa, até deselegante, são úteis para muita gente, segundo relatos que ouço. Percebo, no entanto, que todas prometem algo semelhante – transformar pessoas com eficiência e em curto espaço de tempo. Como se, de um golpe, a vida passasse a ser plena.
A Plenitude é rara. Assim como a tal Felicidade, que já virou até medida (há um ranking de países mais e menos felizes), aparece e some, é coisa de momento e de fases. Há de se ter a sabedoria de esperar que os períodos ruins passem, quase sempre hão de passar, e me pego falando em Sabedoria, quem me deu autoridade para tanto?
A busca é inescapável. Procuramos a vida plena, feliz, a fonte da juventude, o elixir da longa vida, a lâmpada com o gênio que satisfará nossos desejos, o éden, o nirvana, a iluminação, a paz. Mas é preciso muito cuidado quando essas aspirações legítimas se transformam em mercadoria, vendida por quem faz um curso on-line de uma semana e promete entregar a bem-aventurança a preços módicos.
O caminho da transformação é longo, às vezes penoso, exige uma abertura para si, para o mundo e para o Outro. A tarefa da vida não é um workshop para o próximo sábado.

Publicado no jornal A Tribuna, de Santos, em 31 de março de 2019.