Episódio III

— Minhas costas ainda estão doendo.
— Tenha paciência. Você começou ontem a tomar remédio.
— Eu queria melhorar logo. Fico sem poder fazer o que eu quero.
— Que exagero, não é tão grave assim. Tem alguma coisa importante, que não pode esperar?
— Tem uma coisa chata.
— O quê?
— Eu queria cortar as unhas dos pés. Não consigo.
— Espera uns dias, uai. Ninguém tá vendo.
— Me incomoda. Sempre acho que todo mundo tá vendo.
— Bem, e qual é a solução?
— Eu ia pedir para você cortar. Faz isso pra mim?
— Como é que é? Você está pedindo para eu cortar as unhas do seu pé?
— O que é que tem? Não tenho micose nem frieira. Não precisa ter nojo.
— Não é questão de nojo, é esquisito.
— Por quê? Qual é o problema?
— Sei lá, parece meio humilhante.
— Você vai me fazer um favor, vai cuidar de mim. Isso é humilhante?
— Eu adoro cuidar de você, mas é uma situação nova. Deixa eu pensar.
— Não tem o que pensar. É só pegar o alicate e cortar. E dar uma lixadinha básica. Coisa que se resolve em cinco minutos.
— Me dá um tempo.
— Se você não fizer eu mesmo vou tentar. E vou acabar travando as costas.
— Olha, tenho uma proposta. Te dou de presente uma sessão na pedicure.
— O quê?! Vai gastar essa grana só pra não cortar as minhas unhas?
— Mas ela vai fazer o serviço muito melhor que eu.
— Não é possível que você esteja falando sério.
— Eu só quis achar uma solução conciliatória.
— Uma solução cômoda pra você.
— Tá bom, eu corto, não vamos brigar por causa disso. Espera aí que eu vou buscar o alicate.
— Agora não precisa. Não vou te dar esse desgosto. Passa a grana que eu vou na pedicure.
— Que jeito grosseiro de falar! “Passa a grana”… Pede com educação que eu dou.
— Como é que eu posso ter educação com quem não quer cuidar de mim?
— Mas eu cuido, que saco! Queria acabar essa conversa idiota, mas não consigo.
— Nem eu. Espera só as minhas costas ficarem boas e você vai ver o que é bom.
— É mesmo? O que eu vou ver?
— Não sei, mas eu precisava falar isso.
— Posso rir?
— Não se atreva.