Luiz A G Cancello
Em breve começa abril. Gosto desse mês em Santos. A temperatura cai um pouco, livrando-nos do ar opressivo do verão. A luz é diferente, levemente amarelada, dando à natureza um aspecto mais tranquilo, em oposição à luminosidade branca e quase agressiva da estação precedente. O sol percorre uma trajetória oblíqua, ao meio-dia as sombras se inclinam, já não desaparecem sob os corpos.
É bom passear na praia. A água esfriou, não tanto que afaste os pés descalços. A atmosfera parece mais silenciosa. Será o calor mais barulhento, ou serão os banhistas, com seu alarido e alto-falantes descompensados?
Prefiro desfrutar a paisagem ao entardecer. Ao andar na direção do poente é preciso desviar os olhos dos raios do sol. Vou e volto, no sentido contrário sinto o calor nas costas. Aos poucos a tarde se põe atrás do morro.
Os chapéus-de sol perdem o viço das folhas, mas elas mantêm sua beleza, agora em outro matiz. Muitas espalham-se pelo chão. Tudo em volta está diferente, um pouco diferente, pequenos detalhes de cores e sons, suficientes para saber: estamos no outono.
Encontro meu amigo João. Será mesmo que ele está falando mais baixo, ou são meus ouvidos, prontos a acreditar nas transformações da estação? Ele me conta os projetos de aposentadoria, quando poderá andar na praia não só nos finais de semana, mas todos os dias sem chuva.
Em abril as águas do céu se pacificam, São Pedro fica mais calmo. Disso entendem os caminhantes aficionados pelas areias. Todo sábado e domingo nos cruzamos na beira do mar, pisando as ondas já quase desfeitas, molhando as canelas.
Escurece. As pessoas tornam-se vultos, os contornos se embaçam, fico mais um pouco, até os olhos se acostumarem ao escuro.
Alguns dias me posto na beira da água, de costas para a cidade, de modo a não ver nenhuma construção de cimento e ferro. Só o mar está à minha frente. Fantasio que estou numa ilha, sem as marcas da civilização.
Um dia eu estava nesse estado, embevecido, quando o João chegou por trás e falou, desta vez bem alto, mais alto que o ruído do mar:
– O que você está fazendo aí?
Tomei um susto enorme, o coração descompensou, pensei que ia ter um enfarto. Desde esse dia a contemplação nunca mais foi a mesma.
– Vai tomar no cu, João.