Coronavírus, delírios e acaso

Luiz A G Cancello

O coronavírus é o assunto mais comentado nas redes sociais. Entre recomendações mil, lamentos, humor e desabafos, encontramos postagens que inventam causas para a pandemia. Uns dizem que é uma conspiração capitalista, organizada para baixar o valor das ações, que serão compradas pelos megainvestidores de sempre. Outros veem ali uma trama comunista, especialmente chinesa, que teria sua economia recuperada antes dos outros países, levando assim vantagens na retomada das atividades comerciais internacionais. Há também os místicos, dando ao vírus o papel de regenerador da humanidade. Depois dele viriam tempos mais solidários e espiritualizados. E há quem atribua a doença aos ETs. Os veganos têm um argumento mais lógico e palpável: culpam o hábito de comer carne, origem da disseminação da doença.
Há um mecanismo cognitivo chamado Viés de Confirmação, definido como ‘a tendência de se lembrar, interpretar ou pesquisar por informações de maneira a confirmar crenças ou hipóteses iniciais.” Tendemos a compreender os fenômenos novos com base naquilo em que sabemos ou acreditamos, em geral de forma imediata. Mas, para ampliar o pensamento, é preciso mudar os parâmetros habituais, o que requer tempo, disposição e treino. Ciência, Arte e Filosofia procedem desse modo.
Na vigência da emoção, quando os temores nos invadem, a tendência de muitos é atribuir a ameaça a causas conhecidas e familiares, sustentadas por crenças, não pela observação sistemática, característica do método científico. E assim aparecem todos os tipos de explicação, fake news, delírios, distorções do pensamento lógico.
O vírus, essa entidade nanométrica, invisível, impalpável, aparece do outro lado do mundo porque um homem comeu um animal desconhecido, e agora chega até nós, sem que tenhamos controle. Deixa-nos poucas defesas, lavar ao mãos e usar álcool gel, sem garantia absoluta contra a contaminação. A cena escancara uma imensa fragilidade.
Há uma ilusão de controle quando instituímos causas conhecidas a um acontecimento. Procuramos um culpado, e assim temos a quem atacar e remediar as coisas. É muito difícil ao ser humano ver-se à mercê do apetite estranho de um indivíduo de uma cultura enigmática, em latitudes longínquas.
Estar sujeito ao acaso, ao que não controlamos, traz aflição e muitas perguntas. Temos escolhas, de fato? Determinamos o rumo da vida? O quanto de nossa trajetória deveu-se a condições fortuitas, para o bem ou para o mal?
Buscamos um sentido para a vida, na tentativa de escapar dessa condição de indigência. Por mais que o procuremos em qualquer modalidade de transcendência, a angústia persiste. Aristóteles disse que o espanto é o início da Filosofia. O dia em que um homem espantou-se frente ao cosmos e perguntou a si mesmo por que razão tudo existe, deu início a indagações fundamentais. A compreensão do todo ainda nos escapa, e um eterno perguntar-se faz parte da condição humana. Não há respostas fáceis para a vida e para um ser microscópico que nos acomete a partir de um aparente absurdo, mas temos alguns recursos. A Ciência ilumina parte dessas questões e é nossa única esperança contra o coronavírus. A Arte e a Filosofia ampliam o sentido da compreensão do mundo, trazendo a beleza e a reflexão possíveis. Fujamos do Viés de Confirmação. Teorias delirantes e conspiratórias em nada contribuem para este momento delicado.

Publicado no jornal A Tribuna, de Santos, em 2 de abril de 2020