Luiz A G Cancello
A Mãe perguntou:
— O que vamos dar pros meninos, este ano?
O Pai respondeu:
— Sei lá. Você não quer resolver?
Ficaram nisso alguns dias, o Natal se aproximando. Ela resolveu:
— Já comprei o presente deles.
— O que foi?
— Um relógio para cada um.
— À prova d’água?
— Não, por quê?
— Porra, um é surfista e o outro faz natação, você não pensou nisso?!
— Você deixa para eu resolver e agora fica inventando problemas. E não fale comigo desse jeito grosseiro.
O Pai contemporizou, “está bem, desculpe, vamos até a loja trocar por outros que eles possam molhar”. A Mãe resignou-se, ao menos o marido iria com ela descascar aquele abacaxi.
No relojoeiro, ele se pôs a examinar a vitrine, com ares de entendido. A mulher sentou-se num banquinho e ficou à espera. Como já esperava, aquilo que o marido queria era bem mais caro que o combinado no “orçamento de Natal familiar”, como chamavam as despesas dessa época do ano. Depois de fazer um verdadeiro inquérito com as vendedoras, ele acabou achando um relógio pequeno, japonês, à prova d’água, com preço ainda acessível, embora tivesse de completar o que já fora pago pela esposa.
Saíram da loja. O Pai parecia satisfeito:
— Agora, sim.
Noite de Natal. No dia anterior, o filho mais velho, que já trabalhava, havia anunciado:
— No ano que vem quero entrar para o “amigo invisível”.
O Pai, orgulhoso, sentiu que o rapaz fizera uma declaração de maturidade.
Algazarra, eram doze pessoas, um avô, duas avós, tios, primos e o priminho de segundo grau, esperavam as nove da noite para abrir os presentes. A namorada do caçula veio fazer a visita de praxe e trouxe um relógio digital lindo, de surfista, como presente para ele. Os pais se entreolharam, que fazer? Voltariam à loja e escolheriam outra coisa. Paciência. O marido notou um certo ar trocista no sorriso da mulher, mas ficou quieto. Não era momento para polêmicas.
Hora de trocar presentes. Claro que o priminho foi o mais contemplado com todas as bugigangas possíveis, inclusive com um Forte Apache, onde imediatamente índios e soldados começaram a guerrear, uma barulheira infernal, “e, como se não bastasse, essa gente teima em deixar essa merda de televisão ligada”, murmurava já meio rabugento o dono da casa, sem que a mulher o ouvisse e louco para que tudo acabasse logo, quando chegou a hora de presentear os filhos. Dirigiu-se ao pequeno (que já era bem crescido), deu-lhe um abraço e sentenciou:
— Bem, acho que você vai ter um probleminha.
O menino abriu o embrulho, percebeu a coincidência, quis ser gentil:
— Tudo bem, não esquenta pode deixar que eu vou na loja. Depois me dá a nota fiscal.
O Pai, que já não sabia onde estavam os comprovantes de venda, ficou ainda mais aflito. Desta vez foi a Mãe quem falou:
— E pra você, seu presente.
O primogênito recebeu o beijo, abriu o pacote e fez um ar de contentamento, mas não tanto quanto o esperado. O homem, já meio ressabiado, perguntou-lhe:
— Você tem…?
— Tenho, mas nunca uso. Não gosto de colocar nada no pulso.
— Ah, por isso nunca vi você de relógio.
— Não tem problema, fico com dois.
— Não, de jeito nenhum, você vai com seu irmão trocar isso aí.
Falou em tom imperativo. Não obteve resposta, já tantas roupas e badulaques mil apareciam em meio aos papéis coloridos, parecia um mercado oriental.
Dia 26, depois do serviço, pai e filhos no shopping. Ele apontou a loja:
— É aquela ali.
— Você não vai entrar conosco?
— Não, fico aqui, esperando.
— Por que não vai entrar?
Filho marmanjo em tempos liberais é mesmo um problema. “Fosse meu pai, responderia que simplesmente não iria entrar, e pronto, estava resolvido”, pensou o pobre homem. Disse apenas:
— Estou com vergonha do japonês.
— Que japonês?
— O dono da loja.
— Deixa disso, pai. Vamos lá.
— Não, me deixem aqui. E, se for preciso, podem gastar um pouco mais, para completar o preço do que vocês escolherem.
“O orçamento que vá pro caralho”, cogitou ele, e logo se arrependeu de formular uma frase dessas sobre um tema natalino. Ocorreu-lhe que, mais de mil e novecentos e oitenta anos antes de seus filhos virem ao mundo, os homens se orientavam pelo movimento dos astros. Havia, mesmo, um cometa a indicar hora e lugar do mais importante dos nascimentos. Belos tempos, nada de relógios e bugigangas eletrônicas. Será que, naquela época, alguém fazia lista de gastos?
A dupla voltava da loja com alguns embrulhos. Um deles comprara um despertador. Precisaram chamar duas vezes pelo pai, sentado num banco do shopping com os olhos perdidos no fundo do corredor. Esperavam uma pergunta sobre o total da despesa, mas o que ouviram foi coisa muito diferente:
— Vocês acham, mesmo, que aquele Menino pobre, nascido na manjedoura, há tanto tempo e tão longe daqui, tem alguma coisa a ver com essa confusão toda?
Voltaram para casa em silêncio. Ele ainda conseguiu escutar, antes de ir para a cama, o comentário que um dos filhos fazia para a Mãe:
— Porra, o Pai consegue estragar tudo.