Luiz A. G. Cancello
Quem lê o título e não mora em Santos pode pensar que os músicos tocam debaixo d’água. Não é bem isso.
O aquário de Santos fica numa praça muito bem urbanizada, a beira mar. Todo sábado tem um sarau aberto ao público. Por algum motivo a grande maioria das pessoas que vêm assistir ao show é da terceira idade. Há cadeiras de plástico oferecidas pela prefeitura, mas muitos levam suas próprias cadeiras de praia. Acho um lugar fornecido pelo poder público e me sento, justificando uma parcela dos impostos que pago.
Vim prestigiar os músicos, todos meus amigos.
Passam o som — aquela hora barulhenta em que ficam regulando a altura e o timbre dos instrumentos, flauta, violão, pandeiro e voz — e começam a tocar. Tudo certo, de acordo com a programação.
De repente vejo uma porção de velhinhas e velhinhos olhando para cima. Lá está ele, o motivo de curiosidade, um drone. Um senhor, ao meu lado, pergunta a outro: “Como é mesmo o nome desse avião?”
O objeto voador sobrevoa a praça a grande altitude. Faz manobras muito rápidas, muda de direção de repente, para no ar. Haja pescoço, os bicos de papagaio das cervicais devem ter sofrido. Os idosos levantam os braços, apontando, mostrando aquele prodígio aos outros, como se alguém não estivesse vendo. E a música rolando, ótima. Ouvidos no palco, olhos no céu. Depois de algum tempo o drone desce e todos veem, admirados, aquele ícone dos tempos modernos pousar com suavidade na mão do piloto.
Enfim os olhares voltam-se para os músicos, que atacam de Jobim a Pixinguinha. O mestre da bossa faria 90 anos por estes dias, o grande chorão teria 120 anos, se fosse vivo. Tudo isso um dos integrantes do grupo vai explicando para a plateia. Alguns ali seriam contemporâneos do Jobim, outros ainda lembrariam de ter visto o Pixinguinha ao vivo. Efemérides, homenagens, as mais belas canções correm soltas, com fluidez e competência. Muitas palmas, sempre.
A coisa continua, um deleite, e eis que surge um navio enorme na saída da barra. “Olha que grande!”, já se ouve, e novamente se dissociam olhos e ouvidos, aqueles no mar e estes na música, ainda bem que o cérebro consegue perceber duas coisas ao mesmo tempo. O colosso passa devagar, os passageiros a estibordo, dando tchauzinho. Alguns espectadores acenam, todos pareciam felizes. E o som rolando, a tarde está linda, a chuva anunciada não aconteceu.
Já escurece quando os músicos anunciam a saideira. Protestos, “Toca mais uma!”, alguém sempre pede “aquela” que não estava na programação do grupo, alguns velhinhos já saem da praça para não tomar sereno, outros felicitam os músicos, tudo faz parte do final do verão.
Fico um tempo ali, sentado, pensando. Dividido e perdido entre diversas emoções, tento entender o conjunto dos acontecimentos e o deslumbramento dos idosos. Coincidência acontecem, é claro. Música, drones e navios podem aparecer em sequência, sem mais nem menos, na mesma tarde. Mas eu desconfio que, em certos dias, algo de especial acontece. Será que alguém fez um roteiro? Recuso-me a atribuir o fenômeno a instâncias sobrenaturais, embora não tenha explicações alternativas. Fica o mistério.
Despeço-me de todos e vou para o boteco tomar uma cerveja previsível.
Verão de 2017