As Alegrias da Maternidade, de Buchi Emecheta.

Luiz A G Cancello

Acabe a ler o livro. A leitura fluiu sem problemas. Não me entusiasmou, no entanto. Por quê?
É mais fácil escrever sobre as causas do entusiasmo. Dizer o porquê de um texto não ter nos arrebatado é mais complicado. Algo era esperado, e não se cumpriu? O estilo não fez seu papel? A história não foi bem contada? Pouca identificação com os personagens? Foi lido num dia de mau humor?

O enredo do livro é conhecido, está em todas as mídias, pois a autora ganhou certa notoriedade. O romance se passa na Nigéria, iniciando-se período dos anos 20 e 30 do século passado e se estendendo até a Segunda Guerra. Nnu Ego, filha de um importante caçador e chefe tribal em Ibuza, aldeia tradicional, Ela é destinada a casar-se com um homem de sua tribo, Nnaife. Ele está trabalhando em Lagos, a capital, e para lá a protagonista se muda. O grande valor de uma mulher, na época, era ter filhos, principalmente filhos homens. O livro descreve em detalhes o sofrimento de Nnu Ego, parindo e alimentando suas crianças na precariedade, revoltando-se e logo caindo na resignação, enquanto o marido trabalha num emprego servil para os britânicos, então donos do país africano. A história é rica de personagens secundários, todos compondo um cenário de pobreza, servilismo, dominação cruel dos homens e diferenças raciais. O contraste entre os costumes tradicionais e a cultura da cidade grande é ressaltado, agravando os conflitos da mulher. Em certas passagens parece que está se falando da periferia de qualquer cidade grande, e talvez seja mesmo assim. Aqui um trecho representativo:

“Enquanto voltava para o quarto, ocorreu a Nnu Ego que ela era uma prisioneira: aprisionada pelo amor por seus filhos, aprisionada em seu papel de esposa mais velha. Dela, não se esperava nem que pedisse mais dinheiro para a família; essa atitude seria considerada inferior ao padrão esperado de uma mulher em sua posição. Não era justo, ela achava, o modo como os espertos dos homens usavam o sentido de responsabilidade de uma mulher para escravizá-la na prática. Eles sabiam que nunca passaria pela cabeça de uma esposa tradicional como ela a ideia de abandonar os filhos. Nnu Ego tentou imaginar a expressão de seu pai se ela voltasse para a casa dele alegando maus-tratos da parte de Nnaife. Seria expulsa em desgraça, para reassumir suas responsabilidades. Em casa, em Ibuza, teria possuído sua própria cabana e pelo menos seria tratada de acordo com sua posição, mas aqui em Lagos, onde era obrigada a fazer frente à dura realidade de equilibrar o orçamento recebendo uma ninharia, estava certo o marido apelar para sua responsabilidade? Tinha a sensação de que a única coisa que herdara de sua origem agrária era a responsabilidade, e nada da riqueza. Apesar de, no momento, ela ter cedido e admitido a derrota, naquela noite mesmo falaria de tudo isso a Nnaife, quando ele voltasse do trabalho. Tomada essa decisão, a confiança brotou dentro dela como água do interior da terra e lavou seus pensamentos sombrios com um jorro translúcido, cintilante.” (p. 194)

Buchi Emecheta é uma boa contadora de histórias, sem dúvida. A narrativa flui. Tenho, no entanto, algumas objeções. Às vezes Nnu Ego é de uma ignorância atroz, em outros momentos é capaz de filosofar com propriedade. Não estou dizendo que uma pessoa iletrada seja incapaz de filosofar. Apenas percebo, no caso da personagem, tal como descrita, uma certa inconsistência.
Há diálogos demais. Embora retratem o cotidiano das pessoas, muitos me parecem desnecessários. Vejo poucas descrições ricas e metáforas batidas, como no trecho selecionado acima.

A orelha do livro apresenta a biografia da autora, nascida e criada na Nigéria, Casada com um sujeito abusivo e com 5 filhos. Conseguiu ir para a Inglaterra e formar-se em Sociologia. Pergunto-me se é politicamente incorreto não exaltar o texto. Lembro-me de Foucault propondo que, durante um ano, os livros fossem publicados sem a menção dos autores. Talvez Buchi Emecheta não fosse tão incensada. Apesar de tudo, vale a leitura, no mínimo como denúncia.