Dizem-no primata, mas pro amor ele se comporta como peixe, mamífero, ave, réptil e mesmo, não raras vezes, verme. No Reino Animal o Homem não sabe direito onde encaixa, talvez haja correspondente a cada espécie que freqüentou a Arca de Noé: o lobo solitário, o promíscuo macaco, o cavalo-marinho cujo macho é quem gesta os filhos, a família Leo onde a fêmea é quem manda, os pombinhos que morrem se perderem o companheiro, a tara da aranha viúva-negra, o pato que judia da pata, a abelha que mata o zangão na cópula.
“Se há um pensamento do animal, tal pensamento é um pensamento poético”, assim falou Derrida. A poética deste livro debruça-se sobre parte deste reino, a dos bichos monogâmicos. Mas não se iluda o leitor de encontrar apenas a rotina dos casais felizes, aqui fala toda a fauna humana pelas entrelinhas dos diálogos. O prefácio da obra já aponta a possibilidade de se a ler aos saltos, como um livro de poemas, eis que cada texto independe, a princípio, dos demais, mas, por paradoxal que seja dizer isso, os diálogos dialogam – entre si. De forma fluida, não se pode dizer seja sempre a mesma parelha, ou mesmo que espécie de casal se trate, se convencional, ou jovem, ou hetero, ou asiático. O conjunto destes diálogos é uma perquirição sobre natureza das relações afetivas humanas.
Os anos de experiência profissional do autor, psicólogo, e creio que a própria autoobservação (conhece-te a ti mesmo) resultam neste compêndio de instantes cotidianos, vida de pessoas comuns, pra além das indagações que Engels (não confundir com Hegel) fazia das origens da família. Finda a era das ilusões político-sociais de nossa geração, quero dizer a minha, do autor e creio que dos leitores que irão de encontro a este livro, voltamos a nos debruçar sobre a tal cellula mater, a união geracional que fará o encontro dos gametas para perpetuação das espécies, tudo porque, como Dante já disse, é o amor que atrai os astros, não a força gravitacional.
Nestes tempos difíceis, em que o conceito de família tradicional nos remete a todo um festival de boçalidade a grassar no país, a família no sofá frente aos programas dominicais e pregando que o bandido bom é o morto, e orando ao Deus da Prosperidade, da Moralidade etc, reafirmar que o amor entre as pessoas é o motor da Humanidade, que não é o modelo socioeconômico, a luta pela sobrevivência, o que nos impele a viver em união, é de uma ousadia literária respeitável, digna de um cristão nos tempos de Roma.
Manoel Herzog