O livro acompanha a história de Giovanna, uma menina napolitana, de seus 13 anos aos 16. O texto é escrito em primeira pessoa.
Elena Ferrante é autora de uma celebrada tetralogia, que também se passa em Nápoles, universo literário escolhido, com suas diferenças sociais gritantes, onde se chega praticamente a falar duas línguas – o dialeto nas classes desfavorecidas, contrapondo-se ao italiano “correto” das classes média e alta.
Nápoles é um protótipo de tantas cidades grande do mundo, com seus bairros distantes e diferentes, um deles mais aquinhoado econômica e socialmente, cada um de posse de uma cultura própria, cada um escarnecendo a cultura do outro.
O livro fala de uma família dividida, O pai da protagonista ascendeu culturalmente, tornou-se um intelectual, professor, morador de um bairro mais elegante, contrapondo-se ao restante da família, que nunca deixou suas raízes no subúrbio.
A tia Vittoria representa tudo o que é execrado pelos pais de Giovanna – a fala escrachada, os “maus modos”, o hábito de falar o que lhe dá na veneta, sem filtros, o modo de vestir e de se comportar.
A partir de uma frase que a menina escuta dos pais – que ela tem alguma semelhança com a tia tão criticada – Giovanna, que já se achava feia, faz planos de conhecer melhor Vittoria. Com a anuência dos pais, que por princípios de uma educação moderna não se opõem aos desejos da filha, executa seu intento.
“Evitei com cuidado dizer que o rosto de Vittoria me parecera, para minha grande surpresa, um rosto tão marcadamente atrevido a ponto de ser feiíssimo e lindíssimo ao mesmo tempo, deixando-me suspensa entre os dois superlativos, perplexa.”
A relação entre tia e sobrinha é um dos eixos do livro. Com a aproximação das duas, Giovanna descobre outros modos de ser e passa a questionar o comportamento dos pais. Esse conflito é um dos pontos altos da narrativa, equivalendo a uma bela aula de Antropologia Urbana.
Paralelo a isso, mas sempre com a influência e os palpites da tia, a garota descobre o amor e a sexualidade. A autora não deixa escapar, em momento algum, a estreita relação entre os afetos individuais e as normas de conduta das classes sociais. É outro ponto magistral, outra aula de Psicossociologia.
As observações e reflexões da menina sobre a conduta dos adultos, seja do ambiente da tia ou dos pais, justificam o título do livro. Já foi dito que sem hipocrisia não há sociedade, e aqui acompanhamos a descoberta que Giovanna faz desta verdade crua, descoberta que dói na carne e descortina a vida como ela é.