Luiz A G Cancello
Gostava muito de passear, ir a bares e festas, visitar pessoas próximas. Durante a pandemia, no entanto, descobre a internet. Explora centenas de sites, abre dezenas de abas no navegador. Na verdade, a cada clique do mouse, espera que alguma coisa incrível aconteça, para quebrar o marasmo da quarentena. Por isso checa, obsessivamente, todas as postagens e mensagens de todas as redes sociais, na expectativa de uma notícia bombástica, que mude a vida para melhor. Mas qualquer mudança, desde que não seja para pior, já é bem-vinda.
Frequenta youtubers para aprender a ganhar dinheiro sem sair de casa. Conclui que a Economia não é a ciência de sua eleição, sente-se incapaz de acompanhar o vai-e-vem de mercados e o vocabulário dos especialistas. Variando os modos de busca da fortuna, filia-se a um site de genealogia, na esperança de descobrir a nobreza da família, com direito à herança milionária de nobres europeus. Por enquanto não achou nada.
Joga em algumas loterias da web, uma quantia que não compromete o orçamento, o que reduz muito as chances de ganhar, exíguas por natureza. Clica nos volantes os mesmos números, obtidos a partir de cálculos esotéricos aprendidos com antigos amores. Confere religiosamente os resultados, semana após semana. Por enquanto nada aconteceu. Se acontecesse, não saberia o que fazer com o dinheiro, estando em confinamento. É melhor esperar.
Vestir-se de acordo com a moda é um dos ingredientes do sucesso. Chegará o dia em que será preciso ir aos lugares. Pesquisa as lojas mais destacadas, frequenta blogs de celebridades, escrutina cada Instagram, mas esbarra em sua falta de elegância e nas limitações do orçamento. Acaba por usar moletons de lojas populares. Ao menos são confortáveis.
Fora de questões financeiras, procura por digital influencers da áreade Educação Física, para fazer exercícios regulares. Gostaria de ter mais músculos e menos gordura. Consegue seguir as instruções por certo tempo, depois tem muita preguiça de fazer ginástica em casa. É preciso também atentar para o que se come, mas os sites de culinária são um mistério difícil de assimilar. Suas habilidades na cozinha limitam-se ao arroz com feijão. O sonho de ser chef não chega a decolar. Torna-se fã do Ifood.
Ah, as páginas de notícias. Tenta evitá-las, namora a alienação, gostaria de manter-se longe do horror, mas não consegue. Assiste o genocídio na mesa do computador, ou no sofá, manuseando o celular. A indignação precisa estar sob controle, para o bem do sistema cardiovascular. Pensa em fazer meditação. Assina todos os manifestos virtuais, embora duvide de sua eficácia. Faz um call com uma turma de ativistas. Encerra a chamada com taquicardia.
Num sábado, livre do home office, resolve passar 24 horas longe das telas. Uma aventura. Faz exceção para os familiares, se mandassem mensagem no Whatsapp. Ninguém mandou. Anda pela casa, os nervos tinindo, com a insistente sensação de estar perdendo alguma coisa muito importante. Toma um comprimido extra do ansiolítico. Mesmo assim o sono é agitado.
Levanta-se no domingo e liga os aparelhos. Tanta ausência não fez diferença alguma, para si ou para o mundo. Nada de significativo aconteceu, apenas as insanidades habituais do governante da nação. A loteria continuou sua extração aleatória. Senta-se em frente ao teclado e percebe algo rítmico entre o caos e o acaso. Sente um princípio de vertigem e sucumbe de vez à dança da virtualidade absurda.
Publicado no jornal A Tribuna, de Santos, em 14/07/2021.