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Morada Virtual de Luiz Cancello

Sejam bem-vindos. Criei este espaço para divulgar meu trabalho em Literatura, Psicologia e Música. O Menu organiza as áreas a serem visitadas. Se quiserem me conhecer um pouco, cliquem na Apresentação. E não deixem de acionar o Contato. Terei muito prazer em trocar mensagens sobre os assuntos constantes desta página e sobre toda matéria de interesse cultural ou científico. Boa navegação!

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A Motivação para ser Terapeuta

Contribuição para um trabalho de Faculdade.

Cinthia:

Você me pede para escrever sobre “motivação” para “ser terapeuta”. As dificuldades começam nas palavras-título: o que significam?
Tradicionalmente, o termo “motivação” é associado ao “impulso” mais “profundo” que impele o indivíduo a agir desta ou daquela forma. Se existirem (o que não acredito), esses motivos são inacessíveis. Quando julgamos atingi-los, provavelmente os estamos mitificando. E mais: em cada fase da vida, achamos diferentes motivos para a mesma atitude. Por estas características (ou crenças), é pura perda de tempo começar o relato a partir do conceito de motivação.
O que é “ser terapeuta”? Curar? Escrevi um livro inteiro para demonstrar que cura não é nada disso que se crê, com base no famoso modelo médico. Ser terapeuta deve ter algo a ver com fazer as pessoas mais felizes, ou, ao menos, fazê-las suportar melhor a infelicidade. Quem sabe, essa misteriosa profissão pode ser pensada em termos de extinguir condicionamentos indesejáveis. Ou tornar a vida dos outros mais significativa? Ou tantas outras coisas?
Seja lá como for, “ser terapeuta” insere-se numa das cenas mais antigas da humanidade, aquela em que um indivíduo senta-se em frente ao outro para, falando, aliviar os seus males. Supõe-se que aquele que escuta e, eventualmente, palpita, seja detentor de um conhecimento da alma humana, ou coisa parecida.
Estamos presos ao mito da origem. Dizem que a tal “motivação” é o impulso “original”. Quando fui buscar a base em que poderia pensar a função do terapeuta, remeti-me à atitude primeira de algum neandertalense. Vou ao início da minha história. Quem sabe, por aí, eu possa entender como me tornei aquilo que sou agora, neste momento em que escrevo: um terapeuta em busca de sua motivação.
Quando criança, eu costumava dar palpites e falar coisas nos momentos mais inoportunos. Talvez não mais que qualquer moleque da minha idade, mas lembro-me sempre das palavras da minha mãe: “Você não tem psicologia nenhuma. Não vá se meter a ser psiquiatra.” Acho que ela acertou na trave.
Sempre gostei de atividades manuais – lido, até hoje, com marcenaria e com rudimentos de eletricidade e eletrônica. Era, também, um ótimo aluno de matemática. Meus pais concluíram que ali estava um engenheiro em potencial, profissão que meu pai sempre desejou seguir, mas nunca teve oportunidade, por falta de dinheiro. Feitos os inevitáveis e desajeitados testes vocacionais da época, lá estava eu vaticinado à engenharia, fazendo cursinho e entrando na Faculdade de Engenharia Industrial.
Para não estender a estória, minha primeira experiência acadêmica foi marcado por mocinhas, cerveja e um violão onipresente. Um modo atenuado da versão sexo, drogas e rock’n roll, mesmo porque eu era do time dos comunistas e da bossa-nova. Mas ouvia Jimmy Hendrix e Janis Joplin, escondido das patrulhas ideológicas do Partidão.
No segundo ano de engenharia, já totalmente sem função na Faculdade, ouvi falar da existência de um curso novo. Eram os idos de 1965. A namorada de um amigo meu de São Bernardo estudava Psicologia no Sedes Sapientiae. Pergunta aqui e ali, fui entender que era possível ser terapeuta sem passar pela medicina. É claro que, com esse curso, eu pretendia principalmente “me conhecer” e afastar as angústias que me assaltavam nessa época. O engano de tantos candidatos a psicólogo! Mas não vejo isso como um fator negativo. Quem nunca passou por angústias e neuras diversas dificilmente vai entender as complicações alheias.
Já na Faculdade de Engenharia eu havia lido um livro chamado “Freud – Vida e Obra”, de um tal de Carlos Estevam. Achei aquilo o máximo. Era uma exposição primitiva da psicanálise. Posso chamar tudo isso de motivação primeira? Você decide.
Acabei fazendo o curso de Psicologia em Campinas, na PUC de lá. Vacilei entre Freud, Skinner, Jung e Reich. Fiz terapia de grupo com o Gaiarsa e, naturalmente, tornei-me reichiano. Motivação? Sei lá. Logo em seguida fiz psicoterapia com o Dr. Pethö Sandor, jungeano, que foi meu primeiro e fortíssimo modelo intelectual. Ele me convidou para participar de seus grupos de estudos. O homem sabia de tudo, dentro e fora da Psicologia. Era húngaro, um desses centro-europeus da primeira metade do século, que tiveram um ensino de qualidade excepcional. Falava uns sete idiomas e era dono de uma biblioteca imensa. Fiquei nesses grupos cerca de 9 anos. Foi a minha influência mais marcante. O Sandor morreu há cerca de um ano. Quando eu soube, senti muito ter perdido o contato com ele. É claro que, nesse tempo, a minha verdade era a do Jung. Mas o meu mestre não descartava os ensinamentos reichianos, fazendo uma integração muito interessante de abordagens teóricas. Então, eu continuava um tanto reichiano, também.
Muito mais tarde, há uns 10 anos, já questionando o aparato teórico de sustentação dos modelos de inconsciente, fui me interessar pelo existencialismo. Como toda a minha geração intelectual, eu havia lido e apreciado a obra de Sartre. Mas o livro que me marcou – a que faço justiça no “O Fio das Palavras” – foi “O Paciente Psiquiátrico”, de J. H. Van den Berg. Li essa obra ainda na Faculdade, e de vez em quando a relia. Sempre brinquei com essa multiplicidade de interesses teóricos, dizendo que eu era casado com a linha jungeana, mas amante da existencial. Acabou nisso: larguei a esposa oficial e casei com a outra. Por quê? É difícil dizer. Creio, agora, que por razões teóricas, já não mais por influências diretas de pessoas. Motivação é uma coisa complicada!
Há uma parte subterrânea, por assim dizer, de toda essa trajetória. Sempre estive metido em movimentos revolucionários. O Reich era comunista assumido, e quem era psicólogo de esquerda, naquele tempo, curtia um de dois autores – ele ou o Marcuse. Optei pelo primeiro, embora gostasse da obra dos frankfurtianos. O radicalismo reichiano me atraía mais.
O Jung representou a opção orientalista, a revolução anti-capitalista por um outro viés, o da vida interior, em oposição ao materialismo reinante. Combinava com o tipo meio-hippie-meio-comunista que eu cultivava. Foi uma época fantástica: despojada, comunitária, alucinada, musical. Dava para escrever sem parar. Fica para outra vez.
Os existencialistas de agora, ao contrário de Sartre, são bastante comportados, não se prestando a revoluções. Acho que ando estudando as transformações da Sociedade da Informática por causa dessa eterna mania de me engajar em processos sociais. A Internet tornou-se o último baluarte da anarquia. Vamos ver se resiste às pressões que vem sofrendo para servir aos interesses comerciais do donos do mundo. Está difícil.
Enfim, o que importa aqui é a tal da motivação. Pois bem, não sei estar em nada que não aponte para uma transformação radical. Adoro brigar com conservadores – psicanalistas, neoliberais, pefelistas, etc. Tenho preferido polemizar por escrito, quando é possível; a idade, talvez?
E a motivação para ser terapeuta? Passou por diversas fases. Com os jungeanos, eu estava fascinado pela sabedoria, pelos mistérios das imagens coletivas. O contato com os pacientes me encantava pela possibilidade de encontrar, em cada um deles, as formações arquetípicas. Até agora o tema me atrai, embora hoje considere as semelhanças temáticas de sonhos e fantasias como produtos culturais.
Reich prometia a revolução pelo corpo, onde estavam incrustradas, em forma de couraça muscular, as repressões sociais. Ser terapeuta reichiano era contribuir para uma sociedade mais livre e aberta. Doce ilusão, mas era assim que pensávamos, e ao menos curtíamos uma esperança.
O existencialismo traz, no bojo de sua teoria, a possibilidade de encarar a pós-modernidade com ferramentas interessantes. Quando Heidegger postula a gratuidade de qualquer conceito fechado de “natureza humana”, de certo modo longínquo encontra-se com Marx, que afirmava ser a “natureza humana” um produto histórico. Faliram as belas teorias revolucionárias, o futuro não é mais previsível a partir da obra de uns tantos iluminados. O que é ser terapeuta existencial? Abrir ao cliente a possibilidade de formular sua própria natureza? Mostrar-lhe o vazio da época (ou da existência?), e ele que faça com isso o que bem entender? Com que finalidade? Ah, devolver-lhes a tal “liberdade”, quase ia esquecendo. Deve ser isso.
Se você leu toda essa digressão histórica, perceberá que, para mim, “curar” sempre foi um epifenômeno. A cura é algo que vem (ou não!) durante o contato com o terapeuta. A motivação que me prendeu à profissão sempre foi externa ao “ato” de curar, se é que isso existe. Através da visão coletiva, procurei situar o indivíduo; e esse mesmo personagem me remetia e remete, continuamente, à sociedade e à história. No processo terapêutico as transformações de um e de outro são indissociáveis. Não acredito em psicólogos desengajados. Estou em boa companhia; leia o “Cem anos de Psicoterapia… e o mundo está cada vez pior”, de James Hillman e Michael Ventura, lançado recentemente pela Summus Editorial. Vale a pena.
Ultimamente ando inclinado a estudar seriamente a neurobiologia. Nos últimos 25 anos participei das “revoluções” hippie, comunista, teórica e informática, o que dá aproximadamente 6 anos por engajamento. As três primeiras fracassaram, a quarta ainda está em curso – e em perigo. Mas isso não importa. Se eu conseguir me manter ativo até os 75, devo ter mais 4 participações em movimentos utópicos.
A vida é um barato.
Não sei se esse longo e autorreferente relato ajuda você em alguma coisa. Dê-me um feed-back quando for possível. Use o texto como quiser. Foi ótimo escrevê-lo. Vou guardar estas considerações para uma possível autobiografia. É uma boa maneira de chatear filhos e netos.

Um abraço santista

Luiz A. G. Cancello
24 de setembro de 1995

PS: Revisei o texto apenas uma vez. Se o fizesse outras vezes, provavelmente modificaria tanta coisa, que você nunca iria recebê-lo. Perdoe eventuais erros e repetições de palavras.

Cancello

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Fundação Arquivo e Memória – Santos Entrevista de Luiz A G Cancello

https://www.youtube.com/watch?v=emBKNgKZx8k&t=13s

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