Luiz A G Cancello
Começo dizendo que o Joca Reiners Terrón é o escritor brasileiro que mais me agrada atualmente. Dentre seus livros destaco “A tristeza extraordinária do Leopardo das Neves” e “Do fundo do poço se vê a Lua”, que me impressionaram muito. Admiro a trama, a escrita forte e ao mesmo tempo sedutora, a originalidade dos personagens e um clima noir que me encanta.
Acabo de ler “A morte e o meteoro”, do mesmo autor. É um relato extraordinário, nos dois sentidos.
Já no primeiro parágrafo o tema do livro é explicitado. A Amazônia está extinta e os índios kaajapukugi, um povo isolado, pedem asilo político numa selva mexicana, ainda em condições de abrigá-los.
Eles são recebidos por um antropólogo, funcionário do governo do México. No processo de entender e acomodar os índios, esse burocrata, que é o narrador, entra em contato com Boaventura, outro antropólogo e já idoso, mas afeito a uma longa vida de trabalho de campo. Da relação profissional e de amizade entre eles surge o impressionante relato de Boaventura sobre sua vida na selva, seus infortúnios, baixezas e coragem.
Em meio ao enredo principal surgem personagens secundárias, mas nem por isso menos interessantes. Desde a selva brasileira, ou o pouco que resta dela, até a mata mexicana, há todo tipo de gente: madeireiros, garimpeiros, comerciantes picaretas, prostitutas, índios aculturados.
Os rituais e o modo de vida dos kaajapukugi são descritos com riqueza, costurando um sentido que escapa (e falta) aos brancos, chamados pelos índios de “Grande Mal”. A fenda entre sua civilização e a nossa é presente a cada linha:
“No começo do século XXI (…) os rapanui foram o primeiro povo nativo a exigir a repatriação dos ivi tupuna, ossadas de seus ancestrais que se encontravam em museus e universidades europeias, pois sem elas se consideravam desconectados de sua própria essência. A ligação com seus pais havia sido cortada, por assim dizer, e os rapanui de então falavam sozinhos ao vazio, sem ninguém na outra ponta da linha telefônica que lhes pudesse atender. Há muito os cemitérios dos brancos não guardam nenhum caráter sagrado, a não ser no caso de haver nele um ídolo do rock enterrado, como no Père Lachaise. Túmulos são objetos arqueológicos ou apropriações do Estado, se pertencerem a alguma figura histórica de relevância, em geral de políticos ou ditadores. Nesse caso não passam de símbolos de um fulgor pátrio bastante fosco, ademais falso.”
A narrativa é permeada por notícias de uma missão chinesa de colonização de Marte, que o protagonista mais novo acompanha. Há somente um casal na nave, que às vezes perde o contato com a estação terrestre.
Nada mais disparatado, aparentemente. Mas a competente escrita de Joca Terron vai tecendo ligações simbólicas entre os dois acontecimentos, de tal modo que tudo parece fazer sentido, um sentido pesado, decadente, distópico, mas não estranho a quem acompanha os rumos do planeta.