A Febre

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O filme narra a história de Justino, um índio supostamente aculturado que vive com parte da família em um barraco modesto, mas organizado, em Manaus.
O protagonista é um homem viúvo, que cuida da filha solteira e tem um filho casado. Trabalha como vigia num pátio de containers, “como um caçador esperando uma presa que nunca vem”, em seu dizer. Tem uma febre baixa mas constante, que os exames médicos não conseguem explicar. De poucas palavras, só podemos intuir o que se passa em seu espírito pelas poucas alterações faciais e pelo desenrolar dos acontecimentos do dia a dia. O ator consegue ser expressivo no que seria um cenário de marasmo, a ida e volta ao serviço, as tarefas simples e sempre iguais que tem de cumprir, a lida da casa.
Todas as vezes em que volta para a periferia onde mora, depois do trabalho, a atenção de Justino é chamada por algo que move perto do ponto do ônibus, na mata que ladeia a estrada. O mistério que vem da selva atrai a atenção do indígena e percorre todo o filme. A margem: é aqui onde o filme adquire sentido, nos limites entre a cidade e a selva, entre a cultura dos brancos e a indígena, entre os animais e os humanos.
A limbo entre a civilização do ocidente e as raízes indígenas vai aparecendo lentamente, no diálogo tenso com um colega de trabalho, numa história ancestral que conta para o neto, no modo como Justino se move na mata da beira da estrada, nas recomendações do irmão, sugerindo que consulte o pajé para saber a origem de sua febrícola renitente.
O que causa a alteração de sua temperatura? A possibilidade de se separar da filha, assistente de enfermagem que passou no vestibular e vai estudar medicina em Brasília? A solidão da viuvez, a falta de sentido do trabalho? Será o conflito surdo entre resignação e revolta, entre o índio que não é mais e o branco que nunca será? É tudo isso junto? O filme não responde à indagação, deixando ao espectador o sentido do adoecer de Justino.
É de se notar como a atenção fica presa no desenrolar dos acontecimentos, apesar de uma aparente monotonia do enredo. Há uma tensão, uma interrogação, e sem dúvida uma simpatia por Justino. Volto a ressaltar o trabalho do ator Regis Myrupu, que não é um profissional do ramo, mas presidente de uma associação indígena. Ele foi escolhido pela diretora Maya Da-Rin e saiu-se muito bem na tarefa.
Uma parte da fita é falado em tukano e legendada para o Português, conferindo a essa obra excelente mais um ponto original e positivo.