Luiz A G Cancello
Encontrei-a no velório da mãe de uma amiga. Vagamente me lembrava de uma festa onde ela talvez estivesse, mas não tinha certeza. Talvez fosse uma ex-aluna, lecionei durante muitos anos, sempre encontro alguém que, supostamente, aprendeu algo comigo. Minha mulher costuma brincar com essa situação, mas eu não acho tanta graça. Tenho pavor de quando a conversa começa com a pergunta, muito sem noção:
– Lembra de mim, professor?
Tenho a resposta pronta:
– Lembro de você, mas não de seu nome, desculpe.
É muito desagradável, podem crer.
Mas não era esse o caso. Um velório é uma ocasião solene, as pessoas se cumprimentam e se abraçam como se fossem amigas de infância, às vezes até choram no ombro uma da outra, mesmo se forem quase estranhas.
Não sou dado a manifestações muito sentimentais, costumo manter a discrição. Minha possível ex-aluna foi se aproximando, tive medo que se pusesse a deixar lágrimas na minha camisa, mas fiquei firme. Antes que ela chegasse perguntei para minha esposa, a voz tão baixa o quanto possível:
– Quem é?
– Não sei. Deve ser uma de suas alunas.
A mulher chegou e me chamou pelo nome. Cumprimentou-nos, perguntou pelos filhos, lamentou pela situação. É conhecida da mãe de minha amiga, concluí, mas isso não adiantava muita coisa. Deu detalhes do acontecido com a falecida, um enfarte inesperado. Não chorou, falou com voz firme. Melhor assim, pensei. Ela e minha esposa puseram-se a conversar, eu não prestava atenção, queria ir logo para casa. A possível aluna percebeu.
– Vou embora logo. Querem carona? Moro lá para o lado de vocês.
Mais essa, ela sabe onde moro. Viemos de uber, seria conveniente aceitar o convite. Logo estávamos no carro da Madame X, como a nomeei em pensamento. Houve menção a um boteco, talvez nos conhecêssemos de lá? perguntei-me. Mas ficou nisso.
Ela parou em frente ao meu prédio. Despedimo-nos. Liguei para meus companheiros de happy hour, descrevi exaustivamente a personagem, mas ninguém soube identificá-la. Deixei passar um tempo de luto e perguntei à minha amiga, cuja mãe falecera, se poderia me esclarecer o mistério. Ela ficou muito assustada, disse que eu estava descrevendo sua tia, já falecida, que um dia fora minha aluna. Fiquei quase sem fala, mal consegui agradecer a informação e me despedir.
Assim que desliguei contei o telefonema para minha mulher. Ela comentou, rápida:
– Eu não disse?