A Vida Invisível de Eurídice Gusmão, de Marta Batalha

Livro: A Vida Invisível de Eurídice Gusmão
Autora: Marta Batalha
Editora: Companhia das Letras, 2016

O livro “A Vida Invisível de Eurídice Gusmão”, de Martha Batalha, é uma obra que retrata a vida de duas irmãs no Rio de Janeiro dos anos 1940 e 1950, em meio às limitações impostas pela sociedade patriarcal da época. A autora constrói uma narrativa que mescla humor e drama, para mostrar as diferentes trajetórias de Eurídice e Guida, duas mulheres que sonham com a liberdade e a felicidade, mas que enfrentam obstáculos e frustrações em suas escolhas.

Eurídice é a irmã mais nova, inteligente e talentosa, que se casa com um funcionário do Banco do Brasil que não a compreende nem valoriza. Ela se torna uma dona de casa exemplar, mas insatisfeita, que busca formas de expressar sua criatividade nas artes da música, da costura e da escrita, em sua vontade de ser mais do que uma esposa e mãe. Guida é a irmã mais velha, bonita e rebelde, que foge de casa com um homem, mas que é abandonada por ele grávida e sem recursos. Ela se vê obrigada a sobreviver como pode em meio hostil e preconceituoso, sem nunca desistir de reencontrar sua família.

A autora também cria personagens secundários memoráveis, que representam os diversos tipos e classes sociais do Brasil da época, com suas contradições e preconceitos, mas também com generosidade e acolhimento.

” Filomena tinha sido a prostituta mais requisitada do Estácio. Não era a mais bonita ou a mais versada, mas tinha um sorriso tão bom que os homens gostavam de descansar em seu peito. Até o sorriso ir embora, junto com os dentes careados. E a sífilis chegar, junto com marcas no rosto. Perdeu todos os clientes, e só não passou fome porque o bairro retribuiu as refeições e pousos que recebeu dela nos dias fartos da zona. Para Filomena dinheiro era como o ar que a gente respira — uma hora entra, uma hora sai. Não estava em seus planos viver de favor, e por isso começou a cuidar de uma ou outra criança enquanto a mãe trabalhava. Mãe e filho ficavam tão felizes que outras mães apareceram, e mais outras. Filomena tornou-se a babá mais requisitada do Estácio. Sua casa de três cômodos recebia crianças dia e noite. “Mais que sete por vez eu não cuido”, dizia, quando a mãe de um oitavo aparecia na porta.”

O livro é um tributo às mulheres invisíveis da história, que tiveram seus sonhos e potenciais sufocados por uma sociedade que as oprimia e silenciava. A autora utiliza uma linguagem ágil e com toques de humor, que contrasta com o tom melancólico e trágico da história. A construção das personagens de Eurídice e Guida, com seu complexo psiquismo, é magistral.

O livro foi adaptado para o cinema em 2019, com direção de Karim Aïnouz e elenco formado por Carol Duarte e Julia Stockler, nos papéis das duas irmãs.